DOIS NEGROS, DUAS MEDIDAS

Fatos estranhos têm acontecido relativamente às questões mais relacionadas ao racismo. O Brasil tem se mostrado um país envolto em um racismo estrutural dos mais exacerbados que se tem notícia em toda a América Latina.

Dois fatos são emblemáticos nesta seara infeliz. Recentemente um vereador do Partido dos Trabalhadores da capital paranaense ‘invadiu’ um templo católico ao final de um culto que se realizava nas dependências da Igreja. O parlamentar protestava contra o segregacionismo que vitimou um negro congolês, morto por espancamento quando cobrava uma dívida oriunda de trabalho no Rio de Janeiro.

Em Niterói, também no Rio, um homem negro, pai de uma filha de seis anos, foi morto por um sargento da Marinha. Ambos eram vizinhos. O assassino alegou que o morto parecia um bandido a se aproximar apressadamente e, por isto, atirou sem esperar.

Dois eventos com mortes não lamentadas. E nós continuamos a cultivar aquilo que a casa grande ainda determina. No primeiro caso, o do vereador curitibano, vozes se levantaram pedindo a cassação do seu mandato. O vereador foi jogado às feras como um Daniel na Cova dos leões, até mesmo por líderes do seu partido - o PT -, que, de pronto se arvoraram na condenação do infeliz episódio da invasão da Igreja do Rosário dos Pretos.

O Estado do Paraná é um dos mais conservadores que se tem notícia. A arquidiocese de Curitiba denunciou o vereador promovendo um boletim de ocorrência, fazendo eco e dando vez às vozes dissonantes que detestam pobres e agora se juntam a pedirem a cassação do dito vereador, promotor de um fisco em nome de uma causa que para muitos sempre foi e será incômoda, pois desnuda toda a hipocrisia de uma sociedade racista, misógina e profundamente preconceituosa, onde pobres só são avistados nos pleitos eleitorais.

O que surpreende e chama a atenção é que não se viu a mesma dosagem de indignação relativa à forma como morreu o congolês. A sociedade se calou, as pessoas se calaram, as autoridades seus olhos cerraram ante o óbvio que todos os dias se renova. E a Igreja? Não só se calou como deu voz aos algozes dos negros. Não se viu nem ouviu palavra de qualquer desses grupos de defesa da moral e da religião sobre os dois casos em tela e outros.

Dois são os negros aqui descritos e duas as medidas que a sociedade continua a usar no trato dessas pessoas que para cá vieram de terras de África, a ferro e fogo. Lemos nos livros de História essas e outras causas? Sim! Custam arrepios, mas, continuamos mais afeitos aos encantos da Casa Grande ao mau cheiro dos tumbeiros e da Senzala.

A sociedade continua sorrateira, a se indignar seletivamente. E aqui um pensamento nos aduz que somos templos do Espírito Santo, rememorando o que nos diz o Evangelho. Resta uma pergunta que se faz incômoda e a cada dia mais presente. Só se ouve gritaria quase histérica e histriônica, de uma vileza sem par, quando templos de cal e pedra são violados. E o templo de que falava Jesus? Depende da cor para ser defendido.

José Luciano
Enviado por José Luciano em 23/02/2022
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