EUA versus Rússia - precisa-se de uma guerra

Parece mesmo que a humanidade não sabe viver sem guerras. No ótimo filme "A fonte das mulheres" (direção de Radu Mihaileanu, 2011) há uma significativa passagem, em que as mulheres, encarregadas do trabalho mais pesado, dizem aos homens, ocupados em matar o tempo bebendo e falando da vida: “─ Vocês só sabem o que fazer quando há guerra, sem ela ficam perdidos!” Hoje, as sequelas emocionais e sociais dos estadunidenses retornados da guerra ─ é o país mais guerreiro da atualidade ─ parecem comprovar que, sem a guerra, os homens desorientam-se, perdem o rumo, adoecem ou tornam-se criminosos.

Há muitos tipos de guerras: as grandes guerras de conquista e expansão, como do Império Romano, do Mongol, do Turco-Otomano; guerras de extermínio, como fizeram ingleses, franceses, espanhóis e portugueses com os nativos americanos; guerras contra o colapso pela escassez de recursos, como fez o Japão; guerras de vassalagem, quando países guerreiam a serviço de outros, como na Guerra do Paraguai; guerras contra povos e estados vizinhos tornados inimigos viscerais, como é em Israel; guerras em defesa de fronteiras, como na Coréia e Vietnam; guerras religiosas, como na Irlanda; guerras fratricidas, incitadas do estrangeiro, como na Nigéria e em Ruanda; guerras pela criação da nação de um povo sem território, como tentam os curdos; guerras geopolíticas e por recursos energéticos e minerais, como no Iraque e Afeganistão; guerras complexas, com múltiplas motivações, como foram as duas grandes guerras...

Há ainda guerras “de encomenda”, como foram as guerras das Malvinas e do Iraque: governos enfraquecidos, da ditadura militar argentina e do republicano Bush, precisavam declarar guerras para unir a nação e tirar o foco de agudos problemas internos. Existiriam também “guerras inventadas”. A comédia ficcional "Mera coincidência" (original em inglês "Wag the dog", algo como “abane o cachorro no lugar da cauda”, direção de Barry Levinson, 1998) mostra a invenção midiática de uma guerra na Albânia para esconder um escândalo sexual envolvendo o presidente dos EUA.

As controvertidas acusações feitas de lado a lado entre Rússia e EUA parecem indicar-nos que está em curso outra “guerra inventada”. Embora, neste caso, muito mais embasada em fatos verídicos que no filme "Mera coincidência". A Ucrânia, país que tem a infelicidade de situar-se em local geopolítico criticamente estratégico, é agora o possível palco da catarse dos instintos bélicos da humanidade. Por enquanto, parece mesmo que a guerra está sendo inventada pela mídia, insuflada para desencadear uma guerra real. E esta cogitada guerra real parece só confirmar que hoje se trava no planeta uma nova guerra de “total dominação”, como no tempo de Alexandre Magno, dos romanos e dos mongóis.

No Brasil, na América Latina e noutros territórios sob o domínio do hegemônico império ocidental atual, os EUA, trava-se um novo tipo de guerra: as chamadas guerras híbridas e revoluções coloridas. As armas principais são políticas, cibernéticas, midiáticas. Armas sofisticadíssimas, capazes de fazer um povo depor líderes nacionalistas e humanistas para, em seu lugar, entronizar insanos ditadores entreguistas, fantoches do império.

Agora, o império está em crise, econômica, política, social. A guerra do Afeganistão exauriu-se, não era mais sustentável. Outra derrota vexaminosa, comparável ao Vietnam. É preciso encontrar logo outra guerra, que disfarce a vergonha, arrebate corações e mentes, una o combalido império, sacie a colossal indústria da guerra. E dê razão de existir e sobrevida a seus adictos guerreiros.