A verdade que me interessa
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A verdade que me interessa
Já devo ter feito referência a um pensamento de Bertolt Brecht que reputo sensato em muitas interpretações da vida real, ajudando a entender o porquê de ouvirmos certas coisas de determinadas pessoas e da forma como se nos são apresentadas. Ele disse, certa vez: “Pergunta sempre a cada ideia: a quem serves?”. Nesse sentido, as lutas argumentativas se tornam mais palpáveis; as nossas interpretações mais assertivas; e os discursos, mais compreensíveis. Se não, vejamos.
Imaginemos um vestibular hipotético, onde três cursinhos A, B e C estão na disputa. A tem 10 alunos concorrendo, B tem 100 discentes e, por fim, C entrará com 1 000 candidatos. Um aluno do cursinho A foi o 1º colocado geral do certame. Qual seria a manchete dos donos? Vamos ao óbvio: “Cursinho A é o 1º lugar geral do vestibular!”. O cursinho C, entretanto, aprovou 200 dos 1 000 alunos. Manchete para o outdoor? “Cursinho C, o que mais aprova no vestibular!”. Por fim, o cursinho B teve 80 alunos aprovados. Teria como entrar na disputa e, de algum modo, mostrar-se o vencedor? Claro! “Cursinho B, o que teve maior percentual de aprovação no vestibular!”.
Para A, não interessou o percentual relativo – o 1º lugar geral foi suficiente. Não importa se aprovou três dos dez inscritos (30%). Interessa ter sido o ‘vencedor’ do vestibular. Para C, a mera quantidade de aprovados (200) atende aos interesses colimados – para que informar que aprovou apenas 20%, menos que A? Esse detalhe, para ele, foge aos interesses (dele). A aprovou apenas 3, ele aprovou 200! Em relação a B, percentualmente falando, noticiar que 80% dos seus pupilos entrarão na universidade encherá os olhos de passantes apressados, que apenas fixarão o olhar absoluto nos 80%. C aprovou 200; B, apenas 80 – mas são 80 que representam 80% do total e não apenas 20% ou 30%.
Em se tratando de concursos, quando o que se busca são alunos e o marketing é essencial, não há maldade capital em se ‘puxar a sardinha’. Em tese, todos falaram a verdade. Entretanto, quando o que está em jogo são vidas, relativizar, dividir, criar grupos – uns torcendo pela morte dos outros para justificar decisões individuais –, é de uma pequenez moral imperdoável. Não há ponderações relativas que justifiquem transigir o valor inegociável da vida. Para todos, indistintamente de percentuais absolutos e/ou relativos que satisfazem a interesses de A, B ou C, o que temos, na ponta da linha, nos corredores e leitos de hospitais do mundo inteiro, são apenas – como caiu bem esse apenas – seres humanos adoecendo e morrendo, vítimas de uma assimétrica guerra social, política, sanitária... Que transcendeu a individualidade e deixará muitas heranças, principalmente o medo.