ZÉ GAIERO UM NEGRÃO EM NOSSA FAMILIA

ZÉ GAIERO UM NEGRÃO EM NOSSA FAMILIA

Zé Gaieiro foi uma pessoa de minha infância, quando morador na roça até os meus dez anos, morando em uma casa antiga construída por meu bisavô em 1910, quando do casamento de sua filha de criação Tia Santina, quando então contratou Jacinto Mori e filhos para fabricar os tijolos e construir a casa.

Com o fim do ciclo do café em nossa região logo após a segunda guerra mundial deixou meu bisavô o sitio para mudar para Jundiai; e deixou o sitio e o casarão abandonado, e assim quando eu nasci meu pai arrumou uma forma e recursos de adquirir o referido sitio para morarmos até a nossa mudança para a cidade por exigência de minha mãe para os filhos darem continuidade nos estudos

Zé Gaiero era um negrão muito alto com mais de 1,80, pessoa magra, com muita saúde, com um sorriso branco que tinha irmão que morava no sitio vizinho próximo, mas ele morava lá em casa e tornou parte de nossa família por muitos anos, desde que me lembro de minha existência ele já morava conosco dentro de nossa casa, e comia conosco na mesa, vivia com uma pessoa da família, é a minha lembrança de criança desta pessoa que foi importante em nossas vidas, nos crianças na tenra idade não temos preconceitos e não enxergamos cor nas pessoas apenas vemos as pessoas e logo após algum tempo podemos então se tornar amigos e assim logicamente conseguimos conviver nossa primeira infância eu e minhas irmãs com Zé Gaierio.

Minha mãe uma pessoa gorda, mas ainda muito jovem e muito dispostas cuidava da casa, da ordenha das vacas, para tirar o leite para o consumo, para a manteiga, e para fazer queijo para o consumo próprio ou para ceder para os vizinhos.

Meus avós moravam na serra a uns cinco quilômetros, e era comum visitarmos mais ou menos uma vez por semana, e então minha mãe era quem nos levava algumas vezes, quando meu pai não levava e então íamos a pé, minha mãe, eu, minhas irmãs a mais velha íamos andando mas a mais nova não aguentava a caminhada e minha mãe não aguentava carregar, então Zé Gaieiro era a pessoa que gentilmente acompanhava minha mãe e carregava minha irmã mais nova até a casa do vô no meio da serra.

De sobra ele Zé Gaieiro, se alegrava em ver e poder prosear com Terezão que morava e cuidava dos meus avós, uma vez que era uma pessoa moradora dentro da casa deles e lá vivia como família.

Zé Gaieiro vivia conosco, ganhava pelos dias trabalhado, acredito que não o salário normal, nem tão pouco devia ser registrado, mas até onde lembro era um membro da família, se fosse hoje com certeza, a legislação trabalhista, diria que Zé Gaieiro e Terezão eram escravos, e os donos da casa seria escravagista, por não pagar salário completo, nem tão pouco manter registro em carteira, mas a vida é uma verdadeira simbioso familiar, onde pessoas moram juntos, se esforçam no sentido de manter a vida dentro da mesma casa em equilíbrio durante o convívio, elas poderiam morar em outros locais com parentes, mas os parentes tinham suas vidas e não tinha meios de somar estes parentes as suas vidas, mas nossas famílias de meu pai e de meu avô sempre tinham este tipo de dissipabilidade de aceitar pessoas que não tinha condições de viverem sozinhas para morar conosco, tanto que Zé Gaieiro não foi a única pessoa que morou conosco, participando de nossa família, teve João dias que morou conosco por vários anos, teve Luiz que após a viuvez também veio morar conosco, teve Carola, teve Duardo tudo isto nos meus primeiros dez anos de roça, todos eles moravam, comia na mesa, dormia dentro de casa, e eventualmente quando não trabalhavam para os vizinhos e quando não trabalhava também na nossa roça, ajudava com a vida no dia a dia, e nós os ajudavas a ter uma casa honrada e digna para viver. Eles tinham toda a liberdade de ir e vir para onde quisesse, mas eles gostavam de morar lá em casa, ter uma mesa com comida boa, pois minha mãe era uma boa cozinheira, eles se sentiam bem vivendo e integrado a nossa família, que não os considerava eles empregados nem nada, eles em quando lá viviam eram pessoas de nossas famílias e assim acredito que eles também achavam.

Quando passamos a viver na cidade, muitas outras pessoas também viveram dentro de nossas casas, dormiam, comiam, minha mãe dava comida e roupa lavada, assim foi com meus primos de são Paulo que viveram um período em casa, bem como com primos de Jundiai, bem como com uma estudante de Pinhalzinho, bem como com duas moças vizinhas que os pais voltaram a viver na roça que ficaram então vivendo em casa.

É uma situação não muito compreendida, pois é uma situação muito rara este tipo de família que se agrega uma a outra, sem interesse por troca de trabalho, mas simplesmente para atender a necessidade de quem vem de fora para agregar, e a minha família recebia os mesmos sem interesse financeiro, apenas agregavam os mesmos a nossa família para atender as necessidades que os mesmos tinham de ter um teto para morar mesmo que temporariamente.

Assim foi com Zé Gaiereiro, neto de escravos, que viveram em nosso bairro, não sei em que condições, porque era certo que muitos escravos, não eram tratado como coisas, como propriedade e sim com membros agregados da roça, companheiros no dia a dia, repartindo o que a roça produzia, assim podemos ver na história contado do município de Socorro-SP, onde muitos dos escravos viviam na roça agregado aos sítios/fazendas, mas viviam em igualdade de condições com os patrões, trabalhavam juntos o tempo todo no “eito”, até a colheita e no final se apropriava de parte da colheita para os sustentos dos mesmos, e vivendo em casa próprio de colono que ficava dentro da fazenda.

Assim vivia Zé Gaieiro dentro de nossa casa, ele era negro de cor diferente da nossa, mas sempre foi tratado por nós como um irmão mais velhos que brincava conosco e nos ajudava em nossa primeira infância, mas não acredito que ele se sentia obrigado por contrato, e sim por que era para ele aprazível convier conosco como nossa família.

O mesmo com Terezão que vivia com meus avós no dia a dia da casa, enquanto não dava certo de constituir a sua própria família que veio acontecer no futuro desta relação, mas enquanto não tinha onde viver, vivia com meus avós, sem salário, sem registro, mas era um membro da família, sem contrato, livre para ir, mas que preferia ficar e conviver como família naquela casa onde assim era reconhecida e onde vivia partilhando dos trabalhos e do resultado dos mesmos trabalhos, vivendo dentro da casa, e sentando a mesa no dia a dia.

Zé Gaiero, após nossa vinda para a cidade continuou na roça em nossa casa por mais alguns anos, era uma pessoa velha, quando adoeceu, tendo sido internado na Sta Casa, veio a falecer.

Meu pai foi até a Santa Casa para retirar o corpo para o enterro na tumulo da família, quando a Santa Casa exigiu os documentos para liberação do corpo e meu pai disse nunca soube que ele tinha documento, e se não puder liberar sem documento, vocês vão ter que fazer o enterro, contudo estou aqui para leva-lo e enterrar na tumulo da família, tendo então sido liberado para tal providencia.

15/01/22

estreladamantiqueira
Enviado por estreladamantiqueira em 15/01/2022
Reeditado em 16/01/2022
Código do texto: T7429834
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