RETROSPECTAR E AVANÇAR

Retrospectar e avançar

Mais uma vez: o tempo. Hora de rebobinar? Preparados estamos para uma retrospectiva? Como você se relaciona com as horas? A saudade que passa e permanece. A rugas que vêm. Os amores vão e vãos. Final de ano e os anseios se condensam. Fomos os seres humanos que gostaríamos de ter sido? Como fazer melhor daqui para frente? O que almejamos: dinheiro, saúde, amor, paz? Como alcançar, então? Nós somos movidos pelo desejo e, ainda que alguém considere uma bobagem o término do ano, é fato que nos esforçamos para girar a chave e quem sabe abrirmos novas portas. As imagens podem até ser desgastadas, mas podemos dar novos contornos às molduras que revestem a cronologia de nossas vidas.

A inaptidão de transpor os limites da materialidade nos coloca dentro do relógio. Essa vida imediata, metódica, gera uma falsa segurança – a de que, através do cumprimento e do comprimento dos horários teremos controle sobre a nossa existência. Entretanto, percebe-se, na medida em que o relógio nos limita, nos proporciona a consciência de nossa finitude, até chegarmos à conclusão de que, como diria o escritor José Saramago, no auge de sua maturidade: “não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. Sabedoria é o equilíbrio entre o desfazimento de ilusões para transferir as esperanças para aquilo que julgamos de fato ser o essencial. Sem vislumbre. Um menino se hospeda num talvez. O homem, em um agora.

No acumular das mortes, perdemos identidade e, ironicamente, tornamo-nos mais autênticos. Vai chegando o momento em que não há mais o devaneio de unir o presente, o passado e o futuro. Presentifica-se. Presenteia-se, porque não é com bússola quebrada que se ganha rumo. É com lutas diárias que se consegue superar o saldo, pois estar não é ser e serestar é coisa de quem se excessiva. Por isso devaneio, mudo o tom, busco matizes e matrizes. Amanhã haverá uma grande solenidade. E hoje? Encontre-se e esteja perfumado em respeito à sua trajetória. Não se sente confortável? Troque de roupa.

Ao longo de nossas vidas, se olharmos com calma, veremos que cada qual está traçando um propósito. Todavia, nos especializamos em mascarar as marcas dos nossos problemas através de subterfúgios que vão desde uma agenda atolada de atividades até o fanatismo religioso, passando pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas ou mesmo pela exacerbada motivação para atividades físicas. Alguns nem sabem mais em que e em quem crer e seguem tocando a vida sem melodia alguma.

Nascemos e em pouco tempo nos é imposto um conjunto de costumes e valores, pequenas etiquetas que nem sempre nos beneficia. Estas, não raro, vão na contramão do que intimamente acreditamos. Mas, se não seguirmos esses protocolos, provavelmente seremos punidos, excluídos. Sim, a liberdade tem um custo. Para sermos autênticos, devemos estar dispostos a desagradar os outros. Carinho, intimidade e fraternidade serão palavras de um dicionário obsoleto? Não creio. Reconstruamos o verbo e partamos para a ação ou vice-versa.

Reanuncio que estou em processo de feitura. São 365 novas oportunidades. Com inexperiência, compraremos a experiência. Com o auxílio do conhecimento, poderemos evoluir. Com ciência; consciência. E a consciência de si é a matriz de tudo, como disse o poeta líbano-americano, Kahlil Gibran. Em contrapartida, Oscar Wilde, escritor irlandês, disse que “só quem é superficial conhece a si mesmo”. Transitar na trilha individual sem romper os tendões requer densa análise. O ser humano que não for afeito à reflexão será passivo ao ser violentado e facilmente se tornará um agressor, porque no viver sem refletir prevalece a ordem de machucar e ser machucado. A maturidade traz como aprendizado o entendimento de que precisamos proteger nossa subjetividade. Não como mero individualismo, mas como forma de proteger nossa intimidade, sinônimo de espaço em que não permitimos que qualquer um adentre.

Pensamento é linguagem. As palavras imperam, duvidam e interrogam. Mais importante do que rabiscar a vida é passar a limpo tudo o que já foi anotado em cada um de nós. Em 2022, talvez a meta seja não ser tão ambicioso a ponto de anular sonhos por motivações que não sejam de fato aquelas que realmente almejamos. Que o medo não nos paralise, que a coragem seja a pauta suprema dia por dia. Saúde a todos. Um brinde à esperança.

(Texto publicado em "A UNIÃO" em 31/12/2021)

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 31/12/2021
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