A Fogueira Contemporânea

Em 2018 o humorista e apresentador Danilo Gentili apresentou um show e, no final, fez o que considero ser um dos atos mais subversivos da história do Brasil republicano. De forma democrática, colocou em cima de um púlpito todas as tentativas de censura que a máquina estatal havia tentado impor a ele e serrou todos aqueles papéis, utilizando uma serra elétrica. De fato, esse ato simbólico impactou muito mais do que a necessidade de explodir bombas ou dar golpes de estado.

Afora isso, quando pensamos em queimar pessoas em fogueiras, já nos remetemos ao período medieval e às atrocidades cometidas pela Igreja naquela época. Mas será que a condenação a fogueira por heresia acabou? Creio que não. É óbvio que, aos moldes do que foi praticado durante a idade média, não se vê mais.

Por conseguinte, é fato também que a esquerda, apesar de ter perdido em política e economia, venceu em cultura. Na hodiernidade, se uma pessoa pensa em desenvolver um artigo ou mesmo uma tese de mestrado ou doutorado – em especial na área de ciências humanas – sobre Michael Oakeshott, ou, quem sabe, sobre Roger Scruton, provavelmente não vai encontrar um professor que queira orientá-lo e será visto pelos colegas como um desses “ista” que os “inteligentinhos”, como diria o filósofo Luiz Felipe Pondé, gostam de definir.

Retornando ao que eu havia falado antes, acho que as fogueiras não acabaram. Na contemporaneidade, as configurações dessas condenações apenas mudaram de figura. Sendo assim, qualquer pessoa que se afaste desse espectro da esquerda – em especial nos cursos de ciências humanas – será condenado a viver marginalizado, salvo exceções. Ademais, quero explicar aqui, já que essa patrulha do politicamente correto fica esperando um motivo para “queimar alguém”, que não quero incitar mais ainda essa guerra cultural, como os radicais bolsonaristas fazem, pois não é meu propósito nesse texto. Por conseguinte, meu objetivo é apenas dizer que eu fui censurado. Sim, fui jogado nessa “fogueira”. Vou explicar melhor.

Algum tempo atrás precisei escrever um artigo para uma determinada disciplina, e quando recebi a nota percebi que era um oito e meio. Ok, nota razoavelmente boa, se considerar que a média é sete. Entretanto, fui notificado pelo professor de que o meu trabalho deveria ter sido um dez e simplesmente perdi um ponto e meio pelo simples fato de o filósofo Luiz Felipe Pondé fazer parte da minha bibliografia. Esse determinado professor asseverou que eu iria “evoluir” mais se “largasse” o Pondé. Sabem o que foi o pior de tudo? Esse trabalho foi em dupla. Eu na fogueira, tudo bem. Não foi a primeira nem será a última vez que isso acontece comigo. O problema foi uma outra pessoa (minha colega) ser jogada nessa fogueira pelo fato de não haver idolatria da minha parte as atitudes “do bem” desse pessoal. Sendo assim, uma outra pessoa será condenada à “heresia pós moderna” simplesmente por ter feito um trabalho comigo.

Parafraseando o escritor português João Pereira Coutinho, no livro de que participou, denominado “Por que virei à direita”, juro que tentei ser de esquerda acontece nas melhores famílias. Na verdade, me afastar desse espectro não considero que tenha sido uma escolha, mas, sim, uma questão de temperamento. Entretanto, quero reforçar que não pretendo com esse texto incitar essa guerra cultural como esses radicais bolsonaristas e olavistas maníacos fazem o tempo todo. Pelo contrário, acho isso tudo muito chato. De igual modo, não quero condenar ninguém a fogueira alguma. Nos dias de hoje a gente tem que explicar esse tipo de coisa, antes que a patrulha do politicamente correto venha encher o saco (mesmo assim eles virão).

Quero deixar explicitado nesse texto que é apenas um protesto. Um protesto, não pelo fato de ter sido jogado na fogueira; com isso já estou acostumado. Um protesto pelo fato de uma pessoa que não tinha nada a ver com esse “conflito de ideias” – para me utilizar de um eufemismo – ter sido punida da maneira mais grave que possa existir. Eu sei que um ponto e meio pode não parecer tanto. Mas não é apenas isso. Essa pessoa pode sofrer censuras, pode deixar de ganhar bolsas, pode não encontrar um professor para orientá-la no TCC. Enfim, eu poderia elencar uma série de coisas em que ela pode ser prejudicada pelo simples fato de ter feito um trabalho comigo. Não sou covarde! Querem me queimar? Bem, pois que façam, mas não condenem injustamente uma pessoa inocente. Para finalizar, a cada dia que passa, vejo que Nelson Rodrigues estava certo, “o mundo será tomado pelos idiotas; não pela sua capacidade, mas pela sua quantidade... eles são muitos”.