Ciberespaço. Um novo conceito sobre territorialidade?
A proposta deste artigo é trazer à baila a discussão e o fomento do estudo sobre a problematização da cibercultura e o uso de suas tecnologias, o surgimento dos ciberespaços e ciberterritórios e o seu reconhecimento enquanto território, o que diverge do conceito de territorialidade clássico.
Trazer à discussão uma nova visão conceitual do que vem a ser território em ciberespaços (sem delimitação física e concreta, porém com características de convergência de ideias, pensamentos críticos e agrupamentos por semelhanças, compartilhamento de informações e experiências socioculturais, delimitação de espaço – ciberterritorio – onde os grupos se reúnem e determinam suas regras), uma realidade concreta que participa da vida cotidiana dos indivíduos de forma massiva e cada vez mais indelével.
As transformações sociais, econômicas e políticas contemporâneas acompanham o processo de globalização. Fato que exige uma velocidade em mudanças associadas à inclusão digital.
Os limites territoriais, desde o avanço da internet não podem mais ser considerado um fator de impossibilidade para o estreitamento de relações sociais, econômicas e políticas. Uma vez que, uma característica que se destaca do digital é justamente a extraterritorialidade e sua capacidade de promover relações interpessoais sem a presença física. No Brasil, o avanço e democratização da internet ainda encontra óbice na ineficiência do processo de inclusão digital (que dentro de vários fatores resultantes, o socioeconômico ainda é o mais relevante).
Na contramão da exclusão digital (mesmo que para alguns, ou ainda, no Brasil, uma boa parte da população periférica e rural), eclode a cibercultura e conjuntamente o ciberespaço, e destes fenômenos, a necessidade de se repensar ou adaptar o conceito de territorialidade – enquanto local de construção e preservação de ideias e culturas, convergência e controle social.
No Brasil, uma das condições que potencializam a dificuldade em promover uma política de inclusão digital é a grandiosidade geográfica (território). Outros fatores – não menos importantes – que muito contribuem para esse processo de atraso na inclusão digital são: desigualdade social e econômica. E isto, é um recorte comum e que atinge a realidade de milhares de pessoas, nas mais diferentes Cidades e Regiões brasileiras. Neste sentido, faz-se necessário intensificar a discussão desta problemática para corroborar com a renovação e/ou elaboração de uma nova política de dados para o país.
Dentro desta temática, o projeto tem enfoque no debate sobre a ampliação ou adaptação do conceito de territorialidade no campo do ciberespaço/ciberterritórios uma vez que estes agrupam os requisitos intrínsecos que compõem o conceito territorial – como conhecemos – sem a necessidade de existência de uma territorialidade concreta.
A discussão territorial – enquanto referência – ainda é pilar quando abordamos a questão da inclusão digital. Contudo, tal premissa não sem aplica quando se fala em ambientes virtuais. Isto porque, tais ambientes - composições do ciberespaço – vêm se disseminando com tamanha rapidez e promovendo uma nova forma de comunicação, que a conceituação tradicional de território se torna inócua (sendo necessária, talvez, adaptações ou reclassificações).
Quando falamos do digital, sobretudo espaços virtuais – ciberespaço – é evidente que não existem limites “físicos/territoriais” aos quais estamos habituados enquanto classificação de espaço concreto. Toda as relações e ambientação ocorrem justamente na extraterritorialidade, onde não existem fronteiras físicas/concretas - reforçadas pelos conceitos tradicionais de territorialidade. Mas não significa dizer que nestes ambientes não existam agrupamento de indivíduos que compartilhem de experiências, culturas, informações, e se reúnam tal qual em uma sociedade, onde os semelhantes convergem em ideias e práticas de convivência (virtual).
Em 2020, a pandemia deflagrou um grande recorte social. De um lado, os indivíduos com acesso à internet e suas tecnologias para continuarem uma rotina (de não normalidade, mas dentro daquela perspectiva temporal possível) de trabalho, estudo, lazer, cultura, etc. De outro lado, uma ferida brasileira já bastante conhecida, a exclusão social que se associa, consequentemente, à exclusão digital, pois ambas são alicerçadas na questão socioeconômica brasileira. Neste sentido, verificamos que nas zonas periféricas e de extrema pobreza, bem como no setor rural e nas regiões mais isoladas no território nacional, incidiram a maior deficiência quanto ao plano nacional de inclusão digital.
Democratizar – no sentindo da palavra enquanto tornar popular – a tecnologia afim de ampliar seu alcance é o grande desafio desta geração. A chegada da rede 5G é aguardada, e trará maior qualidade quanto ao processamento e distribuição de dados nas zonas onde as antenas forem instaladas, mas é preciso fazer um recorte – no Brasil continental, periférico e rural, essa perspectiva pode não ser alcançada, já que a abrangência geográfica/territorial das coberturas de antenas e satélites transmissores de sinais – que ainda não é satisfatória.
Aprofundando o debate, a Doutora em antropologia social pela USP, Fraya Frehse, em seu trabalho sobre Goffman (Erving Goffman, sociólogo do espaço), aponta em seu estudo que o referido sociólogo, em sua obra, acende o debate sociológico sobre o espaço, que ocorre através de uma explanação interpretativamente ampla das relações socioespaciais.
Segundo Frehse, ao interagirem no espaço físico, os indivíduos se localizam e localizam aqueles que interagem no espaço interacional e social. E essa concepção de territorialidade nos é apresentada conceitualmente, traduzindo-se como uma padronização de atitudes e comportamentos de indivíduos ou grupo de indivíduos, fundamentado no controle de determinado espaço físico, local ou de ideias. “Os indivíduos buscam, a todo custo, preservar a posse, o controle, o uso e a disponibilidade desses "campos" delimitados por lugares físicos, seus equipamentos ou objetos, ou por objetos que, pertencentes aos indivíduos, em geral os acompanham fisicamente (FREHSE, 2008 apud GOFFMAN, 1971, p. 28).
Nesta linha de pesquisa, o professor Sergio Mari Junior, desde 2015, apresenta a seus alunos conceitos de ciberespaço, cibercultura e ciberdemocracia, segundo as liças de Pierre Lévy, filósofo francês, que estuda o impacto das tecnologias digitais sobre a sociedade. Segundo Mari Junior, o ciberespaço agrupa indivíduos com comportamentos e ideias semelhantes, que convergem para uma interação, porém sem a territorialidade material, ou concreta, como conhecemos. Desta forma, é possível unir indivíduos de diversas partes do mundo, de várias etnias, culturas e idiomas, com identificação de ideias e ideais. Na concepção de LÉVY (1999b, p. 92), ciberespaço é traduzido: “como o espaço da comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”. (MARI Jr. 2015 apud LÉVY, 1999b, p.92).
A denominação de ciberespaço em conjunto com todas as características advindas das relações híbridas entre espaços físicos e virtuais, conotam para uma conceituação de ciberterritório. E é este último que, expande e potencializa o exercício da cidadania, bem como amplia as articulações políticas e a participação democrática como um todo. Neste apanhado, também surge a cibe democracia, que é denominada como sendo “todo o processo que relaciona meios e modos de utilização de ferramentas de comunicação digital para incrementar as práticas políticas”. Seguindo a linha dos autores LÉVY E LEMOS (2010), Mari Jr, discorre ainda sobre como a liberdade e o rompimento de fronteiras – extraterritorialidade – proporcionam uma nova consciência política e engajamento sociopolítico – a qual denominam ciberdemocracia.
Com a expansão da internet, através de suas redes, espaços e territórios, a disseminação da informação – enquanto matéria prima pura – promove o aumento do interesse e da participação do indivíduo-cidadão nos movimentos políticos e sociais. Neste enfoque, naturalmente aprofunda-se a vertente de que quanto mais comunicação/interação, maior é a liberdade – sem controle estatal/institucional – para a produção, consumo e distribuição de informações. Para LEMOS E LÉVY (2010, p.44) “o futuro não é apenas de crescimento para o ciberespaço, mas também a ciberdemocracia.”
A liberdade – aparentemente sem limites – que os espaços digitais propiciam, também é utilizada para construção de paradigmas diversos da realidade, encontrando no ciberespaço o local ideal para a produção e disseminação de conteúdos ou informações inverídicos – fake news. Essa prática ganhou destaque mundial, por ter influenciado eleitores em eleições presidenciais em alguns países, tais como: Brasil, EUA e União Europeia.
Quando se aborda o tema ciberdemocracia, é preciso asseverar que a ideia de Estado está desconectada do conceito de território – como formalmente se conhece. Neste sentido, o conceito de pertencimento do homem – enquanto possuidor legítimo de sua cultura e raízes antropológicas – não é mais determinado pelo conceito territorial (geográfico). Contudo, apensar de toda esta liberdade extraterritorial, LEMOS assevera que é importante conservar o Estado, enquanto garantidor de leis e regras sociais: “A Lei grava todas as evoluções positivas da sociedade(...) e as torna irreversíveis. Devemos conservar o Estado já que ele garante a lei...” (LEMOS; LÉVY, 2010, p.181).
Observem, que mesmo diante de uma extraterritorialidade e liberdade de comunicação e expressão, é salientado sobre a necessidade de um mínimo de regras que possibilitem garantias, direito e deveres, bem como regulem normas de convivência social. No Brasil, a Teoria Tridimensional do Direito, desenvolvida pelo Ilustre Mestre Miguel Reale, personifica esta comunhão entre fatos sociais que despertam a atenção (valoração) da sociedade e necessitam de regulamentação. A tríplice FATO-VALOR-NORMA tem importante papel para o Estado, enquanto ordenador jurídico, pois resulta em normas oriundas de fatos sociais de extrema relevância para a sociedade, construindo assim, “as evoluções positivas da sociedade”, no dizer de LEMOS.
O desenvolvimento da internet e sua constante expansão, eclode o surgimento de espaços digitais enquanto território (de interação, agrupamento, comunicação, produção de conteúdo, educação, cultura, lazer e outros). Nesse sentido, surge a necessidade de denominar e conceituar a existência desse fenômeno e suas características, uma vez que se encontram inseridos na vida cotidiana dos indivíduos de forma quase uníssona.
REFERÊNCIAS
FREHSEN, Fraya. Erving Goffman, sociólogo do espaço. Revista Brasileira de Ciências Sociais. 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092008000300014. Acesso em: 07 dez. 2021.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. Saraiva. 2002.
LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999b.
LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O Futuro da Internet: Em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus. 2010.
MARI JR. Sergio. Ciberespaço, Cibercultura e Ciberdemocracia. Infonauta, 2015. Disponível em: <https://infonauta.com.br/novas-tecnologias-da-informacao-e-da-comunicacao/ciberespaco-cibercultura-e-ciberdemocracia>. Acesso em: 07 dez. 2021.
WIKIPÉDIA. 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia_virtual. Acesso em: 07 dez. 2021.