O que a História nos conta - Legado
Vamos ler o que nos conta o historiador Afrânio Peixoto em seu livro “Livro de Horas” publicado em 1947 e que fora um dos maiores divulgadores da História da Bahia antiga.“O maior legado que a Santa Casa da Misericórdia recebeu, em toda a sua existência. Foi o legado post-morte do João de Mattos de Aguiar ou capitão João de Matinhos nome que o povo batizou este benemérito. Faleceu na Bahia em 26 de maio de 1700 deixando para a Santa Casa da Misericórdia mais de hum milhão de cruzados para obras pias, dos quais, cerca de cem mil destinados ao recolhimento de órfãs.
No passado, bem distante, as pessoas de bens e religiosas, tinham a obrigação de deixar para a Irmandade, quando não havia herdeiros, seus bens e fortunas. Em troca, a Irmandade daria jazigo perpétuo, missas rezadas para a respectiva até a consumação do século e no caso de haver no legado herdeiro junto com a Santa Casa da Misericórdia seria esta pessoa avisada e não passava desta pessoa. E seus nomes imortalizados nas casas pias. O dinheiro de João de Matinhos parte das órfãs seria posto a render (a Stª Casa emprestava dinheiro a juros de 6 ou mais por cento ao mês) e a manutenção do recolhimento. Em 29 de junho de 1716 foi inaugurada com oito recolhidas a regente e porteira foi escolhida e teria que ser “senhora nobre e da maior reputação”.
“O edifício na época era na rua da Misericórdia, casarão ligado à Capela de Santa Casa por um arco( semelhante ao que tinha na Igreja da Sé com o Paço Arquiepiscopal, fazia a comunicação), chamado de “Arco da Misericórdia”. Hoje já não mais existe, aparece a parede vedando. Neste recolhimento, no térreo, estava instalado o “dispositivo” chamado de “roda” ou “Casa da Roda” para receber os “enjeitados”(crianças abandonadas). Era um compartimento de madeira que circulava quando colocava-se uma criança sem ser vistas de dentro. Desde 14 de janeiro de 1738 que os “enjeitados” eram criados, meninos e meninas no recolhimento em área separados. Havia neste período outra obra de proteção a órfãs desvalidas, criadas pelo Padre Francisco Gomes de Sousa, constituiu o Colégio de Órfãs do Santíssimo Coração de Jesus, na própria casa à rua de São José de Ribamar, freguesia de Santo Antônio Além do Carmo de 1827 á 1847, quando recebeu o legado de Francisco Meuron (fabricante de “pó de rapé”). Com esta caridade, foi adquirido outro edifício, reformado, na rua da Cova da Onça. Inaugurado em 1857 onde se estabeleceu o Colégio com 120 órfãs sobre a direção das irmãs de caridade francesas. Sobre este assunto, também escreveu o livro: “A Bahia no século XVIII” do autor: Luis Vilhena – págs. 111 a 119 – carta II nota e comentários de Braz do Amaral coleção Bahia. Seguiremos abaixo:
“João de Mattos e Aguiar: “Vulgarmente conhecido pelo apelido de João de Matinhos. Este filantropo, ao morrer deixou para á Santa Casa da Misericórdia a sua fortuna avaliada em 228:000$000 mil réis, instituindo que a Misericórdia, fizesse uma casa de recolhimento para crianças e mulheres. Ele fora escrivão e provedor da Santa Casa. A princípio chamava-se de “Recolhimento Santo Nome de Jesus”, sendo inaugurado em 29 de junho de 1716 e extinto em 7 de janeiro de 1869. O recolhimento foi transformado no Asilo dos Expostos que primeiro existiu no pavimento térreo do edifício da Santa Casa, vindo depois para a chácara do Pinheiro ao Campo da Pólvora – Pupileira, antiga “Roda”.( Extraído do livro de relatório da Santa Casa de Misericórdia da Bahia – período 1843 a 1856 – tipografia de L.A. Portella e Companhia – mês de agosto de 1843. Relatório escrito por vários Tesoureiros em seus balancetes. REL. BA – SCM 1843 – CÓDIGO. Leia-se: “ José Bento Gonçalves, homem de grandes posses e muito religioso. Ao morrer, sem familiares em vida, deixa seu testamenteiro a incumbência de comprar para a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, dois imóveis no valor de 31.000$000(trinta e hum mil contos de réis) a quem ficarão pertencendo, com a condição de serem os rendimentos (alugueis dos imóveis) dela aplicado para o sustento em vida de dois escravos, que o mesmo falecido libertou, um dos quais já não existia, e por isso, só o rendimento de uma está abrigado às condições.”
“João de Mattos Aguiar deixou legado no valor de 182:485$980 (cento e oitenta e dois contos, quatrocentos e oitenta e cinco mil, novecentos e oitenta réis) corresponde a 456.125 cruzados em moeda do ano de 2001 conforme consta no livro “Ações Sociais da Santa Casa de Misericórdia da Bahia – autor Paulo Segundo da Costa.”
“LEGADO – Em 19 de março de 1710 D. Lourença Maria possuidora das terras de Itapagipe, fez doação de todas as terras que chamamos de “Península de Itapagipe” e a Capela da Boa Viajem com ônus para o Convento de S. Francisco e mandar fazer anualmente missas por sua alma e duas para a sua filha D. Maria Pereira de Negreiros. Neste local, em 1712 foi construído um hospício e reedificado a Capela com donativos de devotos, muitos eram marinheiros. A Capela é pequena, mas elegante, o templo no qual se faz com pomba a festa do Senhor Bom Jesus dos Navegantes no primeiro dia de cada ano; e também celebra a festa de Nossa Senhora da Boa Viajem no mesmo dia.”(Fonte: Resumo Cronológico e Noticioso da Província da Bahia desde o ano de 1500 a 1885 – págs. 56 – autor: José Alvares do Amaral).
Observação do pesquisador: Só que o contemplado (caso do escravo) nunca soube deste legado. Este tipo de disposição é encontrado em vários testamentos em vista nos relatórios. Há casos que os herdeiros legítimos familiares estavam na miséria e não sabiam do testamento e outros quando souberam a maior parte ficou com a Santa Casa. O legado para os escravos de confiança sempre existiu no período da escravidão brasileira. Porém, poucos receberam e muitos foram ludibriados por advogados inescrupulosos e testamenteiros. A morte não deixa aviso, mas a fortuna do morto tem sempre um destinatário.
As instituições religiosas, Irmandades e Ordens Terceiras até o inicio do século vinte admitiam seus irmãos com cláusulas normativas ao legado. Não raras as famílias ricas e pessoas de bens que não deixavam alguns bens para uma dessas caridosas instituições. Só que as necessidades pessoais foram aumentando nos fiéis e diminuindo a fé do religioso na caridade. Mostrando que há outras maneiras de se fazer Caridade sem interesse de perdão em missas seculares. O homem temente a Deus já não mais existe. Hoje existe o homem sabedor que um Deus existe sem cobrar, sem exigir do homem a perfeição, sem sacrifícios no corpo e sem penitência na alma. Hoje o homem é livre para escolher a sua religião. Os legados dos séculos passados foram atitudes filantrópicas, incentivado pela religião católica para todos os fiéis, pode existir para a ciência e a educação, essas são bem vindas.
Álvaro B. Marques.
SSA, 25.10. 2012