Estamos nos transformando no locutor da tela azul do comercial de remédio
"Se os sintomas não desaparecerem, o médico deverá ser procurado". Primeira vez que escutei na televisão esta frase em tom sério e surpreendemente acelerado, eu nem acreditei. Achei que era algum defeito. E toda vez que via comercial de remédio (depois vieram os de cerveja, "se beber não dirija") eu ficava atento ao final, para dar umas risadas. Era como uma frase engarrafada, coisa da pressão em que os produtores de comercial deviam e devem viver para enfiar todo o texto necessário em tão pouco tempo.
E qual não foi minha surpresa quando comecei a escutar os áudios acelerados do whatsapp? Não tem um dia sequer que eu fique sem gargalhar ao escutar as vozes galopantes que saem do aparelhinho, mesmo as que abordam assuntos sérios ("travei as costas e tive que ir no hospital tomar injeção", por exemplo). Por serem contadas numa velocidade de dez palavras por segundo, inevitavelmente ficam engraçadas. Mas no minuto seguinte a graça dá lugar a um pensamento muito sem graça: nós nos tornamos estes locutores acelerados dos comerciais. A pressão pela qual passam as equipes de publicidade se iguala à nossa pressão, às exigências - geralmente descabidas - do dia-a-dia do cidadão comum, agora representadas em áudios apressados. Todo mundo tem pressa e essa pressa começa a devorar o que restava de paciência das pessoas.
Imagino eu, daqui uns três anos, conversando com algum jovenzinho, iniciando a contação de uma história ou coisa assim e ele/ela protestando: "fala mais rápido, tá muito mole!". A já malfadada era do imediatismo está prestes a evoluir (evolução?) para a do diálogopressismo.