Consciência Negra – Basta de humilhações
Sim, o artigo de hoje é sobre a Consciência Negra e não adianta falar em mimimi. Precisamos abordar o tema já que ainda são recorrentes as discussões pessoais e nas redes sociais onde alguns tentam reduzir a importância da reflexão. Eles insistem em evocar a consciência humana para insinuar que todos estão sujeitos a preconceitos e discriminação ou que existe fragilização ou exagero. Sabemos que na prática a teoria é outra.
Milhares de situações de racismo, preconceito e discriminação geralmente passam sem registro, mas algumas ganharam destaque e ilustram bem a triste realidade do país que ousou se intitular de democracia racial. É o caso do dono de um bar, em Goiânia, indiciado por injúria racial após indagar uma estudante negra se tinha uma raposa no cabelo, usado no estilo Black Power. O mesmo ocorreu no Distrito Federal quando uma publicitária desferiu ofensas raciais a uma cantora negra que se apresentava em um restaurante.
Nem mesmo os negros com formação acadêmica ou mandato parlamentar estão livres dos ataques racistas. Recentemente uma delegada de polícia foi barrada na loja Zara em um shopping no Ceará e, segundo as investigações, existe um código secreto para indicar a presença de negras. Lá os funcionários são orientados a ficar atentos e acompanhar os clientes. Em Campinas, uma vereadora negra que discursava na tribuna da Câmara Municipal sobre um projeto que trata do Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra e um fundo municipal de valorização da comunidade negra recebeu várias ofensas racistas vindas do plenário.
Além da violência psicológica, existe a física bem retratada pelo Atlas da Violência 2021 apontando que a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes somados brancos, amarelos e indígenas foi de 11,2, enquanto entre os negros foi de 29,2. Trocando em miúdos 77% das vítimas de homicídio são negras. Fazendo um recorte por gênero, vamos constatar que 66% do total de mulheres mortas no país são negras.
Algumas iniciativas para mudar o quadro merecem destaque como o PROCON SP que criou o Serviço ‘PROCON Racial’, um núcleo com profissionais e viaturas para atender vítimas de racismo e coibir esse tipo de crime. Até o judiciário, mesmo que timidamente, começa a agir. Em Rondônia onde, em cinco anos, 372 ocorrências de racismo foram registradas, 11 pessoas foram condenadas pelo Tribunal de Justiça. Em decisão recente o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crime de injúria racial é equiparável ao de racismo. Assim, ele se torna imprescritível.
Resta evidenciada a importância dos debates e ações afirmativas de combate ao racismo e a desigualdade social com consequente valorização das pessoas e da cultura afro-brasileira. Nessa interminável missão de abrir os olhos e trazer a consciência, vamos continuar gritando, inclusive recorrendo aos versos finais do texto “Protesto” do poeta Carlos de Assumpção.
“Mas irmão fica sabendo/ Piedade não é o que eu quero/ Piedade não me interessa/ Os fracos pedem piedade/ Eu quero coisa melhor/ Eu não quero mais viver/ No porão da sociedade/ Não quero ser marginal/Quero entrar em toda parte/Quero ser bem recebido/Basta de humilhações/Minh’alma já está cansada/ Eu quero o sol que é de todos/Quero a vida que é de todos/ Ou alcanço tudo o que eu quero/ Ou gritarei a noite inteira/ Como gritam os vulcões /Como gritam os vendavais/ Como grita o mar /E nem a morte terá força/ Para me fazer calar.