Voto impresso e voto consciente

Os alvoroços criados em torno do voto impresso e da infundada suspeita sobre a urna eletrônica parecem ter mais de uma finalidade. A primeira, sem dúvida, é parte da estratégia de sabotar a democracia, provocar desconfiança no processo eleitoral, preparar terreno para o golpismo de invalidar eleições legítimas e conduzir rejeitados pelo voto ao poder. Mas talvez o objetivo principal seja esconder outra questão: a qualidade do voto.

Em quem o eleitor vota? No candidato íntegro, probo, com espírito público, capaz de compreender e dar prioridade às precisões do povo e do país? Ou no candidato que domina ─ e tem dinheiro suficiente ─ os meios de criar uma falsa imagem tolerável, que é endeusado por mentiras digitais ─ as fake news ─ e matérias facciosas de uma mídia que não é imparcial, mas é comprometida com o interesse dos poderosos? Sói acontecer, estes candidatos são oportunistas inescrupulosos, o cargo parlamentar não se destina a cuidar da coisa pública, mas a engordar as contas secretas nos paraísos fiscais e outras ladroeiras. Amiúde são bandidos que não hesitam em iludir, mentir, roubar, prevaricar.

Tem-se uma ideia de em quem o eleitor tem votado vendo-se a realidade nacional: os parlamentares afrouxam as leis que tipificam a improbidade administrativa, ministros têm suas contas secretas em paraísos fiscais, governantes e familiares fazem aquisições milionárias muito além de suas teóricas possibilidades, leis determinam sigilo sobre processos que investigam crimes de governantes e seus familiares, outras leis precarizam o trabalho e a aposentadoria e vendem por bagatelas o patrimônio nacional, o Congresso ignora inúmeras denúncias dos crimes cometidos pelos governantes, que vão desde os ataques à democracia e falcatruas com dinheiro público até o genocídio de centenas de milhares de pessoas. Estes fatos, e muitos outros, revelam que o voto está deturpado. Ou o eleitor está sendo enganado, ou compactua com os facínoras que se candidatam aos cargos públicos.

Transformar a qualidade do voto, devolvendo-lhe o poder de ser o principal instrumento de sustentação e aperfeiçoamento da democracia e da vontade popular, implica o eleitor tomar consciência que da sua escolha depende o futuro do país, que é o futuro de todos seus cidadãos. É preciso reconhecer que o analfabeto político é o responsável pelo descrédito da política. E que o omisso, aquele que se intitula apolítico ou “imparcial”, mente para si mesmo. Em política, não existe imparcialidade: quem se omite está sempre do lado do opressor e do ímprobo, fortalece-o.

O que fazer para que o voto ganhe qualidade? Sem dúvida educação refletida e crítica, liberdade de expressão sem libertinagem de mentiras e fraudes, instituições democráticas fortalecidas, bons exemplos vindos de autoridades e líderes e, com certeza, muitos outros componentes, são essenciais. Mas talvez o fundamental seja mesmo cada cidadão, não somente na hora de votar, mas em toda a vida, assumir o papel de protagonista, com todas as suas incertezas, perdas e conquistas.

É preciso deixar de ser gado tangido, e alcançar a redenção do discernimento, do engajamento, da ética e da solidariedade. O governo, a política, mudam quando o cidadão muda. O vice-versa é consequência.