Bajulação
Bajular seria o mesmo que puxar o saco, jogar confete, inflar o ego, lamber as botas, alisar, “cumpadrar”, sorrabar, sabujar... São muitas traduções, algumas menos prosaicas: aliciar, subornar, subjugar, fazer demagogia, fazer proselitismo, praticar clientelismo... Estas traduções, mais cheias de ocultos interesses, também são muitas.
A bajulação tem variados propósitos: adoçar um superior almejando simpatia e benesses, distrair e desarmar um rival antes de dar-lhe uma rasteira, cooptar para o famoso “toma lá dá cá”, ou o “uma mão lava a outra”, ou ainda o “é dando que se recebe”, ou simplesmente fazer o bajulado sentir-se em dívida com o bajulador, a qual será cobrada no momento oportuno. A palavra bajulação traz embutida em seu significado a falsidade. A gentileza, o favor ou o elogio feito não é uma generosidade desinteressada nem um verdadeiro reconhecimento de atributos do bajulado, mas é uma estratégia calculada para superá-lo, submetê-lo ou cooptá-lo para causas que não seriam apoiadas por meios sinceros, transparentes.
A bajulação faz parte das difundidas estratégias do hipócrita convívio social que caracteriza a espécie humana. Animais em estado natural, crianças ou mesmo adultos que logram ser sinceros, não são dados a bajular. Emprega-se a bajulação com os superiores no trabalho, com os eleitores para conseguir votos, nas agremiações de qualquer natureza para conquistar apoiadores e alcançar posições de destaque, em qualquer grupo de pessoas para tentar ser mais aceito e evitar conflitos, perante autoridades para alcançar privilégios... Aqui também a lista seria infindável. Todos nós a conhecemos bem.
Os desdobramentos da bajulação têm consequências de muitas dimensões: podem eleger tiranos, psicopatas ou bandidos, podem perpetuar impérios colonialistas, podem cristalizar e absolver vícios sociais como a corrupção, o racismo, o machismo, todo tipo de segregação. Infelizmente, nossa sociedade é hipócrita, presta-se muito bem à bajulação. Uma frase capital, já repetida até em tirinhas de quadrinhos, diz: “A mentira desgasta relacionamentos; a verdade não, a verdade devasta”. É uma tradução de como somos falsos: sabemos conviver com a mentira, ainda que ela degenere os relacionamentos; mas a verdade, ela nos destrói.
E não somos só hipócritas, somos também ambiciosos e vaidosos. Que cena ontológica aquela do excelente thriller "O advogado do diabo" (EUA, 1997, direção de Taylor Hackford), quando o diabo, divinamente interpretado por Al Pacino, afirma: “Vaidade, meu pecado favorito.” E o diabo, fazendo uso da bajulação e manipulando a vaidade e a cobiça, vai fazendo diabruras ao longo do filme. As mesmas diabruras que vemos no mundo atual, quando assassinatos, massacres e genocídios passam impunes, países e povos são destroçados em nome da suposta caça a terroristas, destrói-se o delicado equilíbrio do ambiente que sustenta a vida na Terra em nome do lucro, poucos nababos locupletam-se às custas da pauperização de multidões.
Bajulação não é o mesmo que persuasão. A persuasão é veraz, transparente, um jogo de cartas abertas. Aos persuadidos de fazer suas escolhas, conscientes. A persuasão é a arma dos honestos. Na bajulação procura-se cooptar ocultando, sem declarar quais são as verdadeiras intenções. Ela é dirigida ao emocional, às sombras do ego, não à luz da razão. Mas para quem é bajulado, muitas vezes isso não faz diferença. Desde que o ego saia inflado, saciado. A bajulação é a arma dos pérfidos.
Caminhamos entre a bajulação e a persuasão. Que tenhamos siso!