Negacionismo e negacionistas
Negacionismo seria a negação daquilo que já é aceito como verdade pela maioria das pessoas, sejam cientistas ou não. Exemplos: a Terra é plana, o aquecimento global não existe ou é natural e não causado pelos humanos, as vacinas não servem para nada, o coronavírus não existe, o “kit-Covid” é eficaz contra o vírus. Há outros negacionismos menos evidentes. Um exemplo: a escandalosa acumulação desigual de riqueza e exploração do ser humano pelo ser humano não traz sequelas igualmente escandalosas, para o planeta e para toda a humanidade, inclusive os que aparentemente são os beneficiados primeiros deste escândalo.
O negacionismo muitas vezes tem uma razão bem objetiva: uma estratégia para confundir oponentes, para negar a própria irresponsabilidade ou incapacidade de lidar com crises, desastres climáticos e sanitários, para ter privilégios num conflito de interesses, são alguns exemplos. Nestes casos, a suposta vantagem individual concreta ─ a projeção política, o ganho monetário, a isenção de culpa ─, move o negacionismo. Mas talvez a maioria dos negacionistas abrace negacionismos sem uma razão objetiva.
Quantas pessoas tiram proveito real da obstinada crença do terraplanismo? Algumas tiram sim! O documentário A Terra é plana (direção de Daniel J. Clark, 2019) mostra quem são os líderes do movimento Terra Plana nos EUA (Flat Earth Society). São egocêntricos narcisistas que encontraram no tema um mote que os mantém em histriônica evidência perante um exército de seguidores, justifica concorridos eventos e a comercialização de muitos produtos pelos embevecidos aficionados. Esta é a banda venal dos grupos de negacionistas: são os oportunistas que tiram proveito financeiro e midiático das negações e de seus deslumbrados admiradores, os quais parecem procurar preencher existências vazias com o enganador propósito da militância a favor de crenças que contam com aguerridos defensores e opositores.
O negacionista só escuta a si mesmo. Suas conversas não são diálogos: são grotescos e agressivos monólogos. São pessoas tão herméticas que se tornam incapazes de aprender algo novo. E assim revoltam-se com o conhecimento, a ciência, a educação, as artes, os cientistas, os educadores, os artistas.
O mais lamentável do negacionismo e do negacionista é que talvez todos nós sejamos pelo menos um pouco negacionistas, praticantes em algum nível de algum tipo de negacionismo. Como tantos distúrbios que afetam o comportamento do ser humano, ser considerado negacionista ou não é uma questão de grau; e separar graus para dizer quem é ou não de fato um negacionista é de uma artificialidade que não se pode disfarçar. Mas, como em toda patologia, há os casos recuperáveis e os incuráveis.
O negacionismo e o negacionista representam bem certos atributos marcantes sempre presentes no ser humano: dominado pelo ego, vaidoso, teimoso, acomodado, desconhecedor da realidade, ambicioso, truculento. Todos temos estas qualidades em nós, em intensidades variáveis. Se quisermos fazer jus à autodenominação de animais racionais, temos que, em alguma medida, confrontar estas qualidades primitivas com outras mais evoluídas. Conhecer nossa própria natureza e imperfeições, compreender o mundo que nos cerca, ter humildade e honestidade para reconhecer erros e desconhecimentos, ter desprendimento para aprender e mudar, interagir com o outro e com a natureza, trocando aprendizados. Enfim, prosperar em humanidade.
O negacionista não passa de um egocêntrico doentio. Será que conseguiremos transformar tal egocêntrico num indivíduo capaz de aceitar, e eventualmente de mudar?