Tecnologias em saúde: Odisseia no espaço?
A perspectiva para discussão das tecnologias em saúde é, simultaneamente, atual e antiga. Atual, por conta dos últimos anos, em diferentes níveis, ocorrer a incorporação das tecnologias virtuais para dentro do trabalho em saúde de maneira intensa, ocasionando o acesso a determinados equipamentos tecnológicos (geralmente os “duros”, usando o termo do Prof. Emerson Merhy) com muita facilidade (usando um bordão contemporâneo - “num só click”). Um celular é, por exemplo, uma destas janelas para outras “tele” visões. A proposta de um cuidado “simultâneo”. De modo abrangente, na atualidade, as máquinas se ocupam do nosso cuidado, limpam nossas casas, respondem aos nossos estímulos e até nos direcionam. Deveras o presente acaba nos levando ao passado. Antes de tudo, quer seja no passado ou presente, estamos intrinsicamente ligados uns aos outros (seja por guerra ou paz). Nós, humanos, somos relações, isto é, nos tornamos no contágio com o outro. Inegavelmente, as relações contemporâneas estão, cada vez mais, “dentro” do virtual (viral?). Criamos uma maquinaria fetichista dentro de um conjunto de funcionalidades e “utilidades”. Um parêntese: para que serve uma obra de arte? Hanna Arendt provoca essa reflexão quando analisa a questão da obra, do labor e do trabalho, na qual a obra de arte pode nos auxiliar a deslocar nosso olhar sobre o que é “útil”. Uma obra de arte é útil?
A fronteira entre real e virtual se rompeu. Somos real e virtual, simultaneamente e na simultaneidade. A tecnologia impõe outros arranjos para a vida, quer seja no meu microespaço territorial existencial ou naquilo que extravaso dentro de um sistema de redes de comunicação virtual e social. Isto é, estar vivo, nesta contemporaneidade, é existir numa certa camada virtual. Mas, o virtual sempre existiu. De outros modos, com outros recursos, mas sempre presente. O que temos no “tele” (conferência, atendimento, entrega, visão, patia, etc.) torna-se parte da própria produção de subjetividade contemporânea. Portanto, a presença imaterial do que nos cerca e do que nos cercamos é na dupla face do real e do virtual. É instigante refletir sobre os “novos” tipos e ofertas tecnológicas a serviço do modo de organização social da produção, isto é, resultado de conjunto de forças delineadas para a própria manutenção do sistema capitalista. O fetiche está na “customização”, criando uma perceptiva da singularização e da valorização das especificidades. Contudo, o modelo de globalização é de uniformização. O que estamos passando no Brasil é, certamente, um efeito já analisado e pensando em outros países, sobretudo, naqueles que tem soberania sobre o poder econômico. Nossas tecnologias são tupiniquins. Com isso, não se trata de dizer que o Brasil não consuma tecnologia, pelo contrário, brasileiro interessa-se pelo que acontece “fora”. Não qualquer fora, como na América Latina, mas em referências de outras colônias já exploradoras dos nossos corpos. Portanto, somos, num só tempo, produtores e consumidores de tecnologias.
Na saúde, a indução dos “novos” dispositivos tecnológicos poderão fortalecer a concepção de saúde como mercadoria. As tecnologias, não só as duras mas as leve-duras, serão produtos de consumo. A “tele-saude” terá uma roupagem de customização do cuidado, permitindo um acesso nunca antes imaginado, contudo, inacessível para todos aqueles que nunca tiveram acesso. Se o SUS já está frágil, imaginemos ele sem todo o amparo tecnológico (e econômico) que outros serviços privados têm/terão. Os usuários não irão querer uma “escuta” relacional e indutora de vínculos, pelo contrário, esse tipo de proposta não “seduz” e não “soluciona”, pois o que o usuário, trabalhadores e gestores irão desejar é a solução do “problema”, uma reforço de que saúde é doença, capaz de ser remediada. Uma visão pessimista? Sou um idealista, continuo atrás das pequenas utopias, de diálogo e interlocutores, pois a linguagem é, definitivamente, o que nós, humanos, temos de mais sofisticado. A tecnologia do diálogo.
Devaneios, devaneio, devir...
(agradeço a Cristiane Damiani Tomasi por ter partilhado suas reflexões)