MATERNIDADE DE PAPEL

MATERNIDADE DE PAPEL

Ainda que estejamos no século XXI e tanto se alardeia o discurso de que avançamos bastante, suscita-nos perplexidade o fato de homens e mulheres optarem por não ter filhos. Passados mais de 50 anos desde a Revolução sexual, com o advento da pílula que proporcionou à mulher o controle (parcial) sobre o seu corpo, ainda se discutem a maternidade e o dever da procriação como se fosse cláusula pétrea na vida dos casais.

Os que renunciam a essa “a ordem natural da vida” são vistos como egoístas ou vivem o estigma de terem a sua sexualidade colocada em dúvida como se só ela fosse a condição determinante para a afirmação da feminilidade ou da masculinidade, a reboque do conceito de casamento e relação afetiva e atrelado à necessidade de reprodução sexual.

Os discursos são muitos e a retórica abundante em torno do tema não falta, por exemplo: “ter filhos nos faz ser melhores”, é um dos principais. Será? Todo casal que teve filhos realmente o decidiu por uma escolha espontânea?

O mito ou os estereótipos do amor materno são propagados há séculos na história da civilização – “as mulheres nascem com um instinto maternal” e “mãe é mãe e pai encontra-se em qualquer esquina” – diante de um argumento extremamente preconceituoso em torno da figura paterna. Argumentação, geralmente, de gente alheia aos noticiários (não raros) sobre homens que lutam pela guarda de seus filhos.

Há quem diga que a opção por ter filhos reside na necessidade de dar sentido à própria vida ou não “amargar” a solidão na velhice. Entretanto, a vida deve ter sentido antes da gestação porque faz parte do processo de amorização. Afinal, embora muitos pensem que o amor é inerente à condição humana, na verdade, “amar se aprende amando”, como diria o poeta. E quem garante que os filhos nos acolherão quando a fragilidade, a velhice e o asilo nos chegarem? E aquele velho bordão de que “criamos os filhos para o mundo”?

Pôr um filho no mundo é um compromisso de longo prazo e implica uma série de renúncias. É uma das decisões mais sérias que o ser humano deve tomar. É preciso refletir que o desejo de ter filhos não é universal, tampouco que todos nasceram dispostos a tal compromisso. Alguns os querem, outros não querem mais, outros nunca quererão. Há quem encontre uma felicidade imensurável e quem jamais admita o arrependimento de tê-los porque isso constituiria uma espécie de “genitor(a) desnaturado(a)”, uma aberração perante a sociedade, porque não obteve a satisfação difundida nas propagandas de margarina.

Há tantos “órfãos de pais vivos”, crianças mal-amadas e mal criadas em todas as classes da sociedade – reflexo de um tempo em que o individualismo rege os relacionamentos e que, contraditoriamente, falta amor próprio e, ainda que isso soe como clichê, sem amor próprio não há amor ao próximo, porque senão o outro será um reduto de nossas carências; uma imagem e semelhança com a qual não saberemos conviver.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 30/06/2021
Código do texto: T7289766
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