Precisamos falar sobre depressão

Precisamos falar sobre depressão

“Porque escutar é preciso/Viver não é preciso.../Viver é impreciso e contingente” – Christian Dunker

*Resolvi escrever este texto depois de refletir, novamente, sobre Depressão, a partir do livro “Uma biografia da depressão”, de Christian Dunker.

Precisamos falar sobre depressão. Não mais cabe adiar essa discussão, fingir que nada ocorre, como se, dessa forma, o problema fosse solucionado. Não é uma mera tristeza, rasa e ligeiramente passageira. Não é frescura. Não é falta do que fazer. Ela é mental, física e espiritual. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), são cerca de 350 milhões de pessoas afetadas pela enfermidade em todo o mundo. Creio que sejam bem mais. Desconheço como esses dados são colhidos, mas, se for por meio da quantidade de indivíduos que procuram ajuda psicológica e psiquiátrica, então, de fato, o número é bem maior, pois a ignorância e o preconceito contribuem para que os acometidos pelo “mal do século XXI” não encontrem o tratamento adequado.

Quantos sintomaticamente deprimidos não se escondem por meio de subterfúgios que vão desde o alcoolismo até uma vida sexual compulsiva, passando pelo refúgio de um fanatismo religioso, excesso de trabalho e transtornos alimentares? O estigma infelizmente prevalece nos discursos de que ter depressão é sinônimo de fraqueza, falha de caráter, falta de Deus. O discurso de quem ainda não aprendeu a ser humano. Esse é o aspecto mais cruel para quem sofre de um vazio existencial, ainda que para quem esteja ao redor seja algo injustificável. É marca.

Em um mundo tão doente, parece até que muitos se identificarão com o Simão Bacamarte, protagonista de “O Alienista”, do Machado de Assis. Quem não se sentir descompensado psicologicamente em meio a tantos discursos reativos, a tantas cobranças por sucesso e ideais de sociabilidade e beleza, se interne na Casa Verde.

Quem sofre com depressão se sente constrangido com a sua condição e, não raro, não tem consciência de que esse mal a acomete. Essa vergonha propicia um silenciamento que pode levar ao suicídio. Depois do pior, alguém dirá que “como assim? Fulano parecia ser tão feliz, não tinha motivo para retirar sua própria vida”. Pois é. Já não bastasse o sentimento de culpa que abate quem sofre, é comum ouvir comparações, deslegitimar a dor do outro e responsabilizá-lo por seu estado.

Atribuo à incomunicabilidade o status de maior mazela associada à depressão. O doente e a sua fala devem sempre ser levados a sério. Ninguém tem direito de voz na dor do outro, mas todos merecem ser ouvidos. Nesse sentido, a psicologia, as sessões de terapia, práticas de meditação e um acompanhamento psiquiátrico – se necessário – deveriam ser disseminados como aliados para conciliar crises existenciais no sentido mais lato.

É fato que a pandemia do coronavírus foi um gatilho para que se eclodissem casos de ansiedade, de depressão e do “impronunciável” substantivo que remete ao autofim. Muitos de nós fomos obrigados ao isolamento e este foi a oportunidade de várias pessoas encontrarem a si mesmas. Certamente, desconfortável, por mais agradável que essa pessoa possa parecer. Retirar a armadura que nos revestiu durante tanto tempo é um exercício de profunda dor – talvez porque essa vestimenta fosse muito maior que o nosso corpo. Isso é resultado de lutas travadas, lutos adiados e passados presentificados. É o cansaço em virtude da alegria forçada, da felicidade imediata.

A sociedade da performance, da hiperprodutividade, da hipermedicalização e, portanto, da hipermegalomania (com duplo prefixo, sim) nos retira de nós mesmos, nos fazem seguir projetos de vida com o quais frequentemente não nos identificamos. Quem já esteve na Depressão talvez possa dar voz a quem a silencia como forma de (sobre)viver.

Espero que, em meio a esses acidentes que a vida nos traz, possa o(a) deprimido(a) um dia dizer que não estava passando por uma depressão, mas subindo uma montanha, rumo a uma vida mais consciente de si, com mais respeito pela pessoa que se tornou e que virá a ser. Só assim o sentido poderá ser retirado da melancolia. Viver é ressignificar-se constantemente.

Leo Barbosa é professor, escritor e poeta.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 27/06/2021
Código do texto: T7287661
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.