Nosso dualismo cotidiano
Nosso dualismo cotidiano
No último dia 1º de maio, a UEI – União dos Escritores Independentes de Ribeirão Preto completou 21 anos. Entidade cultural-literária, que tem como idealizadores os poetas João Nery Pestana e Josy Amâncio e a parceria de vinte membros fundadores, atualmente é presidida por Helena Agostinho e realiza projetos de grande valor cultural. Seu patrono é Olavo Bilac, autor do Hino à Bandeira e de poemas platônicos, sensuais, históricos, patrióticos e até emotivos, entre os quais Dualismo que começa assim: “Não és bom, nem és mau: és triste e humano. Vives ansiando, em maldições e preces. Como se, a arder, no coração tivesses o tumulto e o clamor de um largo oceano.”.
A dualidade da possibilidade de existência simultânea do espírito e do corpo, do bem e do mal sempre instigou a humanidade e quando isso é transportado para a vida política, ganha formas, contornos e nuances perigosos. Embora usualmente quase todas as pessoas se declarem adeptos à cultura de paz, cotidianamente observamos discursos de ódio, extremismo e preconceito com defesas de ideias absurdas baseadas em suposta fé ou religiosidade. Enquanto os profissionais de saúde estão esgotados na infindável luta contra o implacável vírus, na CPI da Covid, na ânsia de marcar posição, ganhar projeção ou defender projetos de poder, alguns parlamentares proporcionam um deplorável espetáculo.
O depoimento do ex-ministro da saúde Nelson Teich precisou ser interrompido por um vergonhoso bate-boca entre senadores, quando a bancada feminina pleiteava garantir lugar de fala e a tropa de choque do governo negava. A exaltação aos fármacos de ineficácia comprovada também foi outra tática usada para tentar desviar o foco e o objeto da Comissão constituída para investigar ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia e o colapso da saúde no estado do Amazonas, depois ampliado para investigar a aplicação de recursos federais repassados aos estados e municípios.
Enquanto o Ministério da Saúde começa a aplicar suas tardias iniciativas, hospitais e unidades de saúde continuam lotados e número de óbitos segue elevado. Já são 417 mil anônimos e famosos como o comediante Paulo Gustavo. Amaldiçoado por alguns e amado por milhões, escreveu uma bela história de luta contra preconceitos, distribuindo alegria, empatia, tolerância, amor e realizando a abençoada filantropia anônima. Como costumo dizer, quando a estatística ganha nome e rosto a dor é muito maior. Segue o poema: “Pobre, no bem como no mal, padeces; e, rolando num vórtice vesano, oscilas entre a crença e o desengano, entre esperanças e desinteresses.”.
Plagiando o neo filósofo Tiago Leifert, no BBB da vida, somos quase todos Juliette: muitas vezes indecisos, sem noção, possessivos, frágeis e oportunistas. Chamados de loucos, tristes e maus, carregamos um sorriso e uma resiliência irritantes. Às vezes recebemos centenas curtidas e likes em outras somos cancelados e mesmo sem ganhar R$ 1,5 milhão, seguimos resistindo em um país onde crianças são violentamente mortas em creches ou na própria residência enquanto milhares se dispõem a macular o simbólico Dia do Trabalhador em carreatas de apoio ao “Mito” que, sem ter o que apresentar para os 14,4 milhões de desempregados e às inúmeras famílias enlutadas, insiste em atacar nosso maior parceiro comercial com inoportunas insinuações de existência de guerra química ou biológica. Como concluiu o Príncipe dos Poetas Brasileiros: “Capaz de horrores e de ações sublimes, não ficas das virtudes satisfeito, nem te arrependes, infeliz, dos crimes: E, no perpétuo ideal que te devora, residem juntamente no teu peito um demônio que ruge e um deus que chora”.