LAÇOS LÍQUIDOS

LAÇOS LÍQUIDOS

“O amor é um egoísmo a dois”. Essa frase de Madame de Stael comporta aquilo que Freud e Bauman trabalham em suas obras. Será mesmo essa a nossa essência: amar o outro como a um espelho ou como um objeto cujas projeções estão pautadas em nossos desejos, carências? E, hoje, na menor das não correspondências, somos legados ao abandono, porque raros são aqueles dispostos a construir laços concretos? O mundo da pressa, da ansiedade, do querer globalizado e pouco centralizado nos põem à margem. Irônico. Estamos todos (des)conectados. Perdemos o fio da meada, o nosso, o de si e o que parecia nos atar de forma recíproca.

Iludidos, despreparados a enfrentar a solidão, buscamos no(s) outro(s) o cobertor que servirá como agente velador de nossos vazios existenciais. Afinal, “a fila anda” e a vida é muito curta para sofrer de amor. Na próxima esquina se encontrará um produto melhor. Muita oferta, muita procura, pouca permanência. Mas, a vida há de prestar contas. Quem não se firma em um lugar viverá sempre a procurar, como quem vagueia sem saber aonde ir. E não poderá se queixar de ser abandonado aquele que assim procede, pois “em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados”, como aponta Bauman em sua obra “Amor Líquido”.

Fastlovers não existem, de fato. Quem não primar pela busca da gênese e consumir-se até a última flama não saberá o que é satisfação. Necessárias são a humildade, a coragem e uma disciplina hercúlea para enfrentar os entraves diários que um relacionamento promove. O amor deve ser um combustível para ser reabastecido e gasto até o seu limite. É um investimento de alto risco, demanda tempo, energia, dinheiro, libido, mas, sobretudo coração. E não há lucro garantido. Talvez, se calculado, o prejuízo seja maior. É... o seu temor é tão grande quanto a morte, mas sem este não há vida de fato realmente vivida. Esse medo é o que representa o viver, transpondo a mera existência. Excita a alma mais que o corpo.

Quem quer amar quer expandir-se e, ao mesmo tempo, receia que seja correspondido, descrendo de que pode ser uma pessoa digna de afeto alheio. Não nos achamos dignos e andamos como crianças que clamam por atenção e que temem que seu brinquedo seja tomado a qualquer momento. Não assimilamos aquilo que nos é dado e vivemos a exigir provas. Juras. Pactos. Quem ama quer se perpetuar no outro e essa é a maior vaidade que talvez possamos confessar entre os amantes. Porém, como poderemos perdurar na eternidade, se não nos modelarmos na intensidade dos dias, dosar os (des)afetos?

Queremos a segurança, mas somos cada vez mais instáveis. Seguimos o ritmo e percorremos a trama como se nossos relacionamentos fossem hiperlinks. Um dia, aquela mão amiga, noutro, exatamente no após, esta é deletada. Mas, que ninguém se engane: isso pode ser uma vitória, caso reflitamos se, realmente, havia cumplicidade nesse dar de mãos. Todo gozo é temporário, senão não o seria. Porém, que consolo há na derrota? Apenas sozinhos poderemos avaliar nossa bolsa de valores interior. Que onde antes havia ruídos, agora, no silêncio, possamos dimensionar um pouco daquilo que supúnhamos possuir. O quanto de nós foi sequestrado e que agora, quem sabe, possamos resgatar. Agora nossas ansiedades serão depositadas em outras contas.

E como diz a música “não vou viver... como alguém que só espera um novo amor/ há outras coisas no caminho aonde eu vou...”. Nossa base deve ser a esperança. Esquecer um pouco a centralização dos fatos para não sairmos dos eixos. Livrar-se do fantasma da despedida e dar margem a novos rumos. Amor próprio não é egoísmo. É respeito para que se possa, substancialmente, assumir a alteridade. Há outros em nós para explorarmos sem criar uma tóxica dependência. Um longo tempo deve transcorrer entre a pergunta e a resposta. Amar deve ser urgente, mas não agora. Não há fórmulas, definições. Todos os reais poetas reais tentaram definir e fracassaram. Nenhuma poesia alcançará sua ambivalência. Toda relação é como um poço cujas profundezas não podemos mensurar. Resta-nos sabedoria para manter nossos princípios, nossa essência sempre à tona, porque amor não é desforra, garrafa lançada ao mar. É farol.