PSICOLOGIA E POVOS INDÍGENAS

UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO (UPE)

RAUL MAGALHÃES BRASIL

PSICOLOGIA E POVOS INDÍGENAS

Resumo: Este texto tem por objetivo sintetizar o artigo “A Psicologia Brasileira e os Povos Indígenas: Atualização do Estado da Arte”. O referido artigo faz uma revisão literária da pesquisa sobre os povos indígenas do Brasil, tendo por base de dados dois periódicos eletrônicos, sendo eles o PePSIC e o SciELO. Diante disso, procura-se neste ensaio, levantar de maneira breve os pontos principais e mais importantes do artigo, que podem ser de maior relevância para as discussões síncronas sobre o tema em destaque.

HISTÓRICO

O Brasil como conhecemos, começa onde terminam os indígenas. Em 1500, com a chegada dos portugueses já viviam no território hoje abrangido pelo Brasil cerca de cinco milhões de indígenas, população que foi perseguida, escravizada, estuprada e dizimada. Apesar disso, a população indígena nos últimos anos encontrou um avanço demográfico considerável, com um crescimento populacional superior à expectativa, passando de 294.000 para 734.000 indivíduos em nove anos. (DOMINGUES; FERRAZ, 2016. p. 683)

O ensino da história e das culturas negras e indígenas passou a se tornar obrigatório somente em 2008, com a lei nº 11.645, essa inclusão recente no plano de ensino nacional é um reflexo direto da própria inserção tardia (e precária) do povo indígena na historiografia do Brasil. Essas deficiências e apagamentos ficam claros ao notar que o primeiro livro de História Geral do Brasil, escrito em 1854-1857, retratava os indígenas como se fossem “fósseis vivos de uma época remota” e um povo “sem história e sem futuro”. Ainda hoje essa é a imagem que povoa o imaginário de muitos brasileiros em relação aos povos indígenas, parte disso deve-se à forma precária como a história indígena é ensinada nas escolas e à tendenciosidade da representação indígena pelos veículos midiáticos.

Durante muito tempo (e isso reverbera nos dias de hoje), o povo indígena foi visto como um povo fadado à extinção, como a parte do Brasil que deveria ser apagada, um empecilho para o progresso. Os indígenas, povo original das terras brasileiras, foram transformados em estrangeiros dentro de suas próprias terras. Diante dessa cultura do apagamento indígena surgiram, no século XIX, políticas públicas que defendiam a aculturação, o afastamento ou até mesmo o extermínio dos povos indígenas.

Essas propostas governamentais de extermínio indígena se estenderam até o século XX. O artigo cita Maldos, segundo o qual: “houve um plano oficial da Ditadura [1964-1985] de zerar a população indígena, de aniquilamento total”, um documento de 7.000 páginas denominado Relatório Figueiredo reúne denúncias de tortura e práticas de extermínio executadas pelos orgãos do governo na época da ditadura militar. Povos indígenas, durante toda a história do Brasil, e especificamente neste período da ditadura militar, foram perseguidos e torturados, tiveram suas terras usurpadas, sua cultura apagada e foram vítimas de uma tentativa genocida sistêmica de extermínio.

PROBLEMÁTICAS

Diante da extensa revisão literária que o artigo faz (citando 25 outros artigos), diversos temas que envolvem a pesquisa relacionada a povos indígenas são levantados, envolvendo temáticas como a saúde, a educação, a infância e adolescência desses povos. Neste texto serão revisadas algumas dessas temáticas, dentre as quais, neste momento, o alcoolismo e as representações sociais dos povos indígenas, duas problemáticas que parecem se destacar e podem ser relevantes para as discussões síncronas sobre o referido tema.

A pesquisa feita por Lima e Almeida citada no artigo traz um panorama de como a sociedade enxerga as existências e culturas indígenas, na referida pesquisa foram entrevistados 378 moradores de seis cidades de Sergipe, com o objetivo de investigar as representações sociais construídas pelos sergipanos sobre os indígenas. A pesquisa demonstrou que a imagem que os sergipanos têm dos indígenas se aproxima da que está presente no livro História Geral do Brasil, do século XIX. Para os sergipanos o indígena se apresenta como uma figura distante física, histórica e culturalmente dos dias de hoje, como um “fóssil vivo de uma época remota”. Quando o indígena aparece como um indivíduo dos tempos atuais ele aparece de maneira ambivalente, ou como um excluído e carente de direitos, ou como um aproveitador das políticas públicas.

A conclusão dos autores é que os indígenas permanecem como um povo ignorado, desconhecido e estrangeiro, e que a representação do índio ausente, homogêneo e quase inexistente é veiculada pelos meios de comunicação em massa.

Outra problemática que o artigo levanta refere-se ao alcoolismo que aparece como um gravíssimo problema de saúde pública em diversas comunidades indígenas. Na pesquisa de Melo, Maciel, Oliveira e Silva, levantada pelo artigo, as autoras identificaram que o consumo de álcool estava relacionado ao processo de aculturação que aquela comunidade indígena estava sofrendo, situação cujo enfrentamento se daria através da busca do resgate da cultura, da prevenção e promoção de saúde.

Além dos processos de aculturação, que muitas vezes podem desembocar no apagamento da cultura indígena local, outros motivos podem ser apontados como causadores do consumo excessivo de álcool pelos indígenas. Por serem um povo marginalizado, que sofre com o preconceito, com o sofrimento, que são ignorados pelo governo e por suas políticas públicas ineficientes, os indígenas podem desenvolver um quadro de adoecimento mental ao se perceberem nesta situação onde suas existências são diminuídas, esquecidas e apagadas.

A ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

O texto traz ainda temáticas relacionadas à saúde nas comunidades indígenas. De modo que cita-se o artigo de Adorno e Picoli, uma pesquisa onde foram estudadas as práticas de saúde e cuidado utilizadas pelos Kaiowá e Guarani no enfrentamento das doenças diarreicas da infância. Os autores destacam que o conhecimento das práticas e da cultura indígena local pela equipe de saúde que fará a intervenção junto com a comunidade é fundamental, uma vez que a intervenção da equipe de saúde implica um processo de negociação entre as culturas, e pode implicar, assim sendo, em um processo de aculturação.

Já quando cita-se Macedo, Bairrão, Mestriner e Mestriner, que relataram a experiência de acompanhamento do estágio de estudantes de odontologia e suas experiências com os encontros interculturais. Vê-se que esses autores destacam a importância da inclusão de profissionais com formação etnopsicológica nas equipes, e da escuta como ferramenta que pode auxiliar na formação de equipes capacitadas para encontros e intervenções interculturais.

A ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA

O texto em sua revisão literária busca justamente que relação a psicologia, enquanto ciência da saúde mental, se relaciona com os povos indígenas e suas circunstâncias. Em sua apuração, as autoras percebem que os artigos encontrados são marcados primeiramente pela interdisciplinaridade, envolvendo a saúde, a medicina, a antropologia, a educação e outras áreas do saber. E segundamente por uma falta de um referencial teórico bem-definido específico da área da psicologia.

A psicologia, sabe-se, tem berço euro-americana, é ocidental e burguesa. Historicamente, uma ciência de homens brancos. Essa psicologia poderia dar conta da singularidade de uma existência indígena? De uma cultura que se distancia da cultura ocidental europeizada? Na temática do alcoolismo, encontra-se uma resposta para isso, quando as autoras citam o artigo de Viana, Cedaro e Ott ao afirmar que:

“a Psicologia “euro-americana” tem como premissas socioculturais as tradições do individualismo, liberalismo e racionalidade, de modo que, ao trabalhar em uma sociedade que se baseia na coletividade, a perspectiva e a possível intervenção deverão sempre ser comunitárias, do contrário será inviável e incongruente. Os autores concluem que, no estádio atual de conhecimento, a Psicologia tem muito mais a aprender com os indígenas do que a ensinar; por isso é fundamental a realização de um esforço para compreender o contexto antes de intervir, e para esta compreensão é fundamental recorrer também a outras disciplinas, como a Antropologia e a Saúde Pública” (DOMINGUES; FERRAZ apud Viana et al. 2016. p. 690)

CONCLUSÃO

Ainda não existe, na psicologia brasileira, a base teórica que daria luz a uma “psicologia indígena”, uma psicologia que saia dos consultórios e intervenha decolonialmente nas comunidades indígenas. A psicologia como conhecemos se inscreve em uma cosmovisão ocidental muito específica, que não se comunica e não dá conta da singularidade das existências e resistências indígenas. Por isso faz-se importante as pesquisas que proporcionam as interlocuções entre a psicologia e os povos indígenas.

A história da psicologia já foi escrita, é necessário buscar uma contra-história da psicologia. Como Brasil afirma em seu texto “Por Uma Contra-História da Psicologia”:

“Faz-se necessário buscar a contra-história da psicologia, buscar os pensadores e pensadoras negros e indígenas, os psicólogos e psicólogas negros e indígenas, faz-se necessário uma psicologia negra, uma psicologia indígena, uma psicologia feminina, que entenda essas dores, essas subjetividades, essas individualidades marginalizadas, faz-se necessário esses novos conhecimentos, esses novos movimentos. A psicologia em quase toda a sua história de vida foi branca, masculina, foi burguesa e foi ocidental, uma psicologia como essa pode ser violenta, colonizadora e desestabilizadora na individualidade dos sujeitos marginalizados, a psicologia é um lugar de poder, e quando colocamos esses poder na mão da criatura hegemônico ela pode marcar ainda mais, pode fazer sofrer ainda mais, pode colonizar ainda mais essas pessoas marginalizadas” (BRASIL, 2021. p. 3)

As autoras destacam a realização do seminário “Subjetividade e Povos Indígenas” pelo CFP, os encontros realizados pelo GT “Psicologia e Povos Indígenas”, o livro “Psicologia e Povos Indígenas” e, mais recentemente, o “I Encontro Nacional de Psicologia, Povos Indígenas e Direitos Humanos/II Seminário de Saúde Mental Indígena”, ocorrido no ano de 2013 no Mato Grosso do Sul, como o pontapé inicial da interlocução necessária entre povos indígenas e psicólogos, sendo referências para atuação do psicólogo junto aos povos indígenas. Embora a psicologia encontre esse déficit referencial, a pesquisa com povos indígenas cresceu de maneira significativa nos últimos anos, e esse movimento que se dirige a existências antes ignoradas começa finalmente a inscrevê-las dentro das preocupações das ciências da saúde mental

REFERÊNCIAS

BRASIL, Raul M. Por Uma Contra-História da Psicologia. Recanto das Letras, 14 de fevereiro de 2021. Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/7184524>. Acesso em: 1 de maio de 2021.

FERRAZ, Isabella Tormena; DOMINGUES, Eliane. A Psicologia Brasileira e os Povos Indígenas: Atualização do Estado da Arte. Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2016 v. 36 n°3, 682-695. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/pcp/v36n3/1982-3703-pcp-36-3-0682.pdf>. Acesso em: 1 de maio de 2021.