QUALQUER PESSOA PODE SOFRER DISCRIMINAÇÃO

QUALQUER PESSOA PODE SOFRER DISCRIMINAÇÃO
Miguel Carqueija

Certa vez uma pessoa me disse que eu era de grupo privilegiado, pelo fato de ser homem, branco e hétero.
Seria mesmo? Nunca me achei privilegiado. Mas analisemos essa opinião.
Com certeza ao longo dos milênios uma cultura machista fez com que as mulheres, mesmo sendo elas a maioria, fossem prejudicadas em seus direitos, liberdade e integridade. E isto prossegue até os dias de hoje, apesar das conquistas obtidas por vezes com muita luta. Basta examinar as violências contra mulheres e meninas que mancham o noticiário aqui mesmo no Brasil.
Quanto a ser branco, também é fora de dúvida que ao longo de muitos séculos os negros foram discriminados e submetidos a escravidão, que até o século 19 era vista como coisa normal em países americanos. Mesmo com o fim da escravidão continuou o racismo. Diga-se de passagem pode haver racismo da parte de qualquer etinia contra outra etinia, e digo etnia porque, pela Ciência, só existe uma raça humana, “homo sapiens”. E se não existe racismo de pigmeus contra esquimós ou vice-versa é porque esses dois grupos não se encontram. Mas é fora de dúvida que a escravidão negra foi, nos tempos modernos, a pior, por extensão e persistência, manifestação de racismo, e praticada por brancos arianos. Também pode haver racismo de brancos contra brancos, como dos arianos contra judeus na Alemanha ao tempo do nazismo, ou seja, racismo ao nível de subdivisão de etnia.
No caso de ser hétero: aqui no Brasil nunca vi de perto perseguição ou discriminação contra homossexuais, que em geral são aceitos pela maioria hétero. Mas existe. A situação era pior na Inglaterra do século 19, quando um grande escritor como Oscar Wilde foi encarcerado por homossexualismo, mas recordo um fato lamentável ocorrido aqui no Brasil anos atrás, não lembro em qual cidade: dois homens se abraçaram num local público, não lembro se era uma festa ou outra situação. Foram atacados por um grupo de sujeitos e espancados, pois acharam que era algum casal “gay”. E eram pai e filho se abraçando. Isso faz lembrar outro caso absurdo, este foi no Rio de Janeiro, uma mulher foi agredida por uns filhinhos de papai que depois, na delegacia, disseram ter pensado tratar-se de uma prostituta. Quer dizer, na mente deteriorada desses elementos prostituta é para se bater. E só então, lendo a notícia num jornal, fiquei sabendo que existiam até, pasmem, jogos eletrônicos de espancamento de prostitutas.
Quer dizer, homossexuais e prostitutas, equívocos à parte, podem ser alvo dessas violências perversas por parte de elementos radicais e fanáticos.
Admitindo tudo isso, serei eu um privilegiado na sociedade por ser homem, branco e hétero?
De jeito nenhum, pois esse raciocínio esquece que todos nós fazemos parte não de três, mas de muitos grupos heterogêneos, nem sabemos ao certo quantos e quais. Para quem não sabe o que são categorias heterogêneas recomendo estudar ou recordar a teoria matemática dos conjuntos.
O fato é que eu pertenço a diversos grupos heterogêneos que são discriminados e muito, portanto não posso me julgar privilegiado. Vejamos quais são esses grupos:
— Velhos. Os idosos sempre foram e são preconceituados. Basta ver os escândalos ocorridos em asilos ou mesmo dentro das famílias. Recentemente a Ministra da Família, Damares, referiu-se a velhos que haviam sido libertados e que estavam sendo mantidos acorrentados por pessoas da família. A situação dos idosos piorou muito no mundo com a epidemia de covid-19. Conta-se sobre idosos que foram abandonados pelos familiares para morrer à fome, acredito que com o tempo muitas histórias escabrosas serão reveladas.
— Pobres. Alguém duvida que os pobres, embora sejam maioria absoluta, são altamente discriminados? Há quem diga que pecado é nascer pobre e minha mãe costumava referir um provérbio que assim afirmava: “A necessidade tem cara de hereje”. Isso tanto é verdade que uma pessoa que em determinada época de sua vida esteja prosperando financeiramente se vê cercada de amigos; mas se cair na pobreza ou mesmo na miséria verá os amigos se evaporarem.
— Cristãos. No mundo inteiro somos perseguidos, caluniados, menosprezados. Muita gente não sabe, mas o número de mártires do Cristianismo aumentou muito desde o século 20 (na Revolução Russa e na Cortina de Ferro, por exemplo), superando em muito as mortes ocorridas no tempo da perseguição de Roma pagã. E mesmo se não houver perseguição sangrenta ela ocorre pela mídia, inclusive com a arma do deboche.
— Católicos. Dentro da categoria dos cristãos, certamente a discriminação é mais forte contra os católicos, única confissão cristã que possui governo mundial (o Papado). Eu mesmo já fui atacado por ser católico. Já testemunhei muita calúnia e inverdade contra a Igreja Católica. Já senti a intolerância anti-católica. E no ano de 2013, quando da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, que contou com a presença do Papa Francisco, uma turba que se intitulava “Marcha das Vadias” (anotando que não podiam representar as prostitutas, pois estas não são vadias, trabalham até muito, até debaixo de tempestade) moveu-se nas proximidades, não se aproximando mais graças à vigilância da polícia, mas quebraram imagens da Virgem Maria e jogaram crucifixos no chão para pisar em cima. Em tempo, o grande Bento XVI avisou que devíamos nos preparar para esse tipo de perseguição, a da zombaria.
— Conservadores. Essa palavra, na verdade elogiosa, é largamente utilizada, inclusive pela mídia, como xingamento. Ora, não existe oposição entre conservadorismo e progressismo, pois não há oposição semântica. Conservador é quem conserva valores morais e culturais, não se opondo portanto ao progresso. Lembro de como o saudoso Papa Paulo VI falou com entusiasmo da primeira viagem tripulada à Lua. Mas com tudo isso nós conservadores, mesmo sendo nós os verdadeiros progressistas, somos em toda parte discriminados. E sem chance de defesa, pois falam contra nós “a priori” sem nem fundamentar as críticas.
— Brasileiros. Em certa época falou-se muito na imprensa de fatos constrangedores que estavam ocorrendo com patrícios ao tentarem desembarcar em aeroportos europeus. Acontecia serem submetidos a vexames e por fim repatriados, mesmo tendo em ordem a documentação. Mesmo hoje em dia, tenha certeza de que existem regiões do mundo em que fazem pouco dos brasileiros.
E aí está. Se acham que eu pertenço a três grupos privilegiados, em contrapartida estou incluído em seis grupos altamente discriminados. Então, evitemos visões superficiais de questões complexas.

Rio de Janeiro, 25 de março de 2021.

Imagem Pinterest.