ABUSO

Uma manchete sobre abusados e abusadores chamou a minha atenção e senti necessidade de tecer algumas considerações sobre o assunto, segundo o meu ponto de vista.

Este tema não é novo, não é de agora, já tem barbas, mas em tempos idos parece que não era crime, dado o secretíssimo, o obscurantismo e quiçá a ignorância como era praticado. A lei era muito desleixada e havia um dito que tinha tanto de estúpido como de insensato, “entre marido e mulher não metas a colher “.

Este dito era inerente a tudo que se passava dentro das quatro paredes, mas mais referente á mulher. Em relação ao homem tudo era permitido e até costumava dizer-se e talvez ainda se diga, dado que a sociedade não evoluiu muito, “o homem sacode as calças e nada se lhe pega”. Quanto a violência contra crianças pouco ou nada se falava, como se as crianças fossem propriedade dos pais e pudessem abusar delas como lhes aprouvesse.

Nessa altura, crimes como por exemplo a violência doméstica, quer praticada entre cônjuges, pais e filhos ou irmãos e bullying, nesta altura este último tipo de abuso não tinha nome, eram cometidos como se fosse uma coisa normal, mas normal não era não, os visados sofriam horrores calados, escudando-se na vergonha, como se a culpa fosse deles.

Travavam uma luta medonha contra o monstro peludo que ia crescendo no seu interior, do género ou matas ou morres.

Alguns passavam por momentos de desorientação total e tentavam o suicídio. O desânimo era tão grande que achavam que a morte era redentora. Felizmente que alguns ficavam mais fortes e parece que renasciam, apostando numa mudança de atitude. É a dor que nos fortalece e dá coragem. Ambos os percursos são difíceis. Alguns conseguiam recuperar, outros não. De qualquer modo, mesmo os casos recuperados, funcionam sempre como um ninho de vespas. Como cautela, nunca cutuques um ninho de vespas.

Os verdadeiros culpados eram aplaudidos. Felizmente que hoje esses crimes têm nome e punição.

Nem todo mundo que sofreu abuso se torna um agressor. Acredito que apenas uma minoria seguiu ou segue esse caminho e as razões hipotéticas são muitas.

Mesmo sob condições extremas, a escolha é nossa ou talvez não, aqui também depende de condições e situações.

Se apontam uma arma para nós ou colocam uma faca sob o nosso queixo para nos fazer fazer algo, como mentir por exemplo, mesmo que essa mesma mentira nos rasgue por dentro, exatamente porque é mentira e estamos a marcar a ferro e fogo na nossa alma um atestado de ignomímia, presumo que ninguém queira morrer.

Entre fazer algo errado ou morrer, eu tentaria tudo por tudo para evitar a morte, em último recurso, sim mentiria, mesmo sabendo que essa mentira iria revolucionar drasticamente toda a minha vida.

Eu sei que é um assunto polémico e inesgotável. Um ramo que se ramifica indefinidamente.

Podemos escapar dos maus tratos e até da morte, mas o trauma instalar-se-á certamente, principalmente se se tratar de crianças e acompanhá-las-á por um longo periodo de tempo, senão pela vida toda.

É uma batalha interior tão feroz que não se vislumbra o fim. A memória faz questão de manter na retina as cenas violentas e por mais esforços que a nossa vontade faça para esquecer, eu diria que tal não é possível, é extenuante e esse esforço pode debilitar-nos mentalmente. Contudo, não é impossível a reabilitação, é sabido que existem pessoas com capacidades surpreendentes e tal como a fénix, conseguem renascer das cinzas.

Um abuso na infância, jamais será esquecido, porque é demasiado traumatizante.

A adversidade ao inviés de tornar essas pessoas fracas e amargas, torna-as fortes e doces, frequentemente alvo de intrigas, inveja, ódio, bullying e outros sentimentos igualmente horríveis e inapropriados em pessoas de bom caráter. Estas pessoas não têm caráter.

Muitas vezes escrevemos algo, seguindo uma propositada linha de pensamento, exagerando, ou melhor, dando ênfase a certos pontos, para nos questionar e nos obrigar a pensar e a agir a fim de evitar que sejam cometidas atrocidades do género.

A função do escritor é vastíssima e a sua palavra chega a todos os cantos do mundo.

Eu não ia querer estar em guerra com um escritor e muito menos se o escritor for também poeta. Os poetas tomam como suas as dores dos outros, dada a sua extrema sensibilidade e não medem esforços para repor a justiça.

©Maria Dulce Leitao Reis

Copyright 24/03/21

Maria Dulce Leitão Reis
Enviado por Maria Dulce Leitão Reis em 23/03/2021
Reeditado em 24/03/2021
Código do texto: T7214412
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