Obsolescência mentirosa

Outro dia falei da obsolescência coercitiva, que vem somar-se aos dois tipos mais conhecidos, a obsolescência perceptiva e a programada. Repensando os momentos em que me vi induzido a consumir sem necessidade, lembrei de outro caso, que vou chamar de “obsolescência mentirosa”.

Aconteceu ano passado na concessionária onde fui levar para revisão meu Fox 2015. Baixa quilometragem, o carro é para uso urbano, anda pouco. Ótimo carro, compacto mas espaçoso, funcional, sólido, versátil, econômico, ágil, dócil direção elétrica, motor eficaz, linha sóbria e elegante, equipamentos úteis e lúcidos. Padrão alemão! Mas, o atendimento na concessionária enxovalha todos os possíveis atributos do carro.

Estranhei que o consultor técnico que costumava me atender não estava mais por lá. Gostava dele. Trocava ideias comigo, perguntava onde eu tinha feito serviços alternativos muito mais baratos, ficou curioso ao saber que eu ministrava aulas de sustentabilidade, perguntava a respeito. Sugeria serviços no carro, mas tinha o cuidado de dizer o que ele pensava ser essencial, e o que podia ser adiado. Perguntei ao novo consultor por que motivo o meu conhecido não estava mais por lá, ouvi em resposta que ele tinha tido “problemas nervosos”.

Então, que seja. Deixei-me ser atendido pelo novo consultor. Era para fazer uma revisão simples do carro, troca de óleo e alguns itens menores, de desgaste mais frequente. O homem começou então uma minuciosa inspeção no Fritz (o nome do Fox). Olhou os pneus, enfiou nos sulcos um gabarito na forma de um cartão plástico, mostrou-me que a borda da banda de rodagem concordava com uma tarja vermelha no gabarito:

-- Tá vendo a tarja vermelha? Tá na hora de trocar os pneus!

Reparei que ele tinha enfiado o cartão no sulco justamente sobre o ressalto que tem a função de indicar a hora da troca. Faltava muito para o pneu ficar careca, a banda de rodagem ainda estava muito acima do ressalto (que aprendi agora chamar-se TWI, Tread Wear Indicator). Mas, insatisfeito, o consultor abriu o capô do motor, e disparou:

-- Precisa trocar o tambor do líquido de arrefecimento... E também o do fluido de freio.

-- Por quê? Estão danificados?

-- Estão manchados, impedem a visualização do nível dos líquidos.

Espiei os recipientes, de fato eles tinham manchas, que dificultavam mas não impediam a visualização do nível. Não autorizei as trocas, nem dos pneus nem dos tambores. Foram feitos só os serviços de manutenção usuais, que eram na verdade os únicos necessários.

Nas semanas seguintes aguardei o rotineiro contato do serviço de atendimento ao cliente, pretendia falar do consultor que tentara me empurrar itens desnecessários, inclusive sendo desonesto na avaliação do desgaste dos pneus. Nunca me contataram. Tentei fazer uma reclamação diretamente no sítio da fabricante, também não consegui.

Para a próxima revisão, vou tentar achar o lugar onde trabalha agora aquele antigo consultor meu conhecido. Imagino de quais “problemas nervosos” ele possa ter sido vítima.