Obsolescência coercitiva

Fala-se em dois tipos de obsolescência: a programada e a perceptiva. A programada é, por exemplo, a lâmpada feita para durar mil horas, quando poderia durar dez mil. Ou os equipamentos de informática e smartphones com fontes, baterias, encaixes que não conversam com gerações mais novas, outras marcas ou periféricos. O melhor exemplo da obsolescência perceptiva é a moda. O massacre da propaganda, replicado por aqueles por ela doutrinados que nos cercam, nos induzem a acreditar que a roupa, o sapato, o celular, o carro que temos, e que ainda está muito bom, saiu de moda, é ultrapassado, obsoleto, faz-nos passar vergonha, tem que ser trocado pelo do ano ou da estação.

A obsolescência é uma artimanha do desenfreado consumismo que vivemos. Sem as trocas frequentes, dizem, as fábricas iriam à falência, desempregos, crise social... Será? Os críticos do desperdício atual afirmam que não podemos continuar com o consumo de recursos naturais dos dias de hoje; o planeta está à beira da exaustão, em breve será o colapso. Os mesmos críticos afirmam que a suposta crise econômica e social que adviria da queda de consumo é uma falácia para preservar os lucros escorchantes de uma ignóbil elite econômica. Haveria trabalho e renda suficiente para todos se setores tais como saúde, educação, justiça, moradia, lazer, cultura, transporte fossem priorizados. Para funcionar bem, estes setores demandam muito empenho, muita gente empregada.

Mas semana passada fui vítima de um outro tipo de obsolescência. Vou chamá-la “obsolescência coercitiva”. Ela me foi imposta, sem apelação. Sou conservador com meus bens, minha impressora/copiadora/scanner tem já cerca de quinze anos, mas vinha funcionando muito bem para minhas necessidades. De repente, o drive da impressora parou de funcionar. Tenho o disco de instalação, reinstalei-o, não adiantou. Tentei de tudo, sem resultado. Pesquisando na web, fiquei sabendo que a fabricante, uma transnacional multimilionária, deu um jeito safado de tornar inoperantes as impressoras antigas. Alegam que um certo dispositivo do aplicativo tornou-se incompatível com a indústria atual, e informam meios alternativos de fazer a impressora funcionar. Tentei todos eles, nenhum funcionou. Convenci-me que tais meios alternativos não passam de uma empulhação, para não assumir publicamente que as impressoras antigas foram transformadas em sucata tecnológica.

Ora, tenho a impressora em bom estado, o disco original de instalação do drive e não consigo fazê-la funcionar! Por certo o supressor do drive foi instalado à minha revelia via acesso à web. Numa das “atualizações” involuntárias que o sistema periodicamente realiza no meu desktop. Ou seja, a obsolescência coercitiva não é só obra da gigante fabricante da impressora, conta com a cumplicidade da gigante dos sistemas operacionais. É uma poderosa associação para obrigar-nos a consumir.

Felizmente, tão conservador que sou, tenho também o laptop com a mesma idade da impressora, que hoje para mim funciona quase como uma boa máquina de escrever. Os dois por certo ainda conversarão, na sua velha e fiel linguagem, ainda imune aos golpes mercadológicos, cada dia mais comuns.