Feminismo não é mimimi

Muitos são os que criticam o feminismo, dizendo que ele mais prejudica do que ajuda as mulheres porque faz com que elas almejem ser iguais aos homens. Além disso, segundo essas pessoas, o feminismo leva as mulheres a ver os homens como inimigos e não passaria de um mimimi, ou seja, de frescura. Aliás, tornou-se moda falar em mimim ao se referir a lutas contra o machismo, homofobia, racismo e políticas antibullying.

Quem critica o feminismo parece não ter estudado História ou usar antolhos como os cavalos, pois tem uma visão estreita acerca dos problemas enfrentados pelas mulheres ao longo dos séculos na História. As mulheres precisaram lutar para ter direito ao voto e voz ativa na sociedade e conquistar tantos outros direitos como o de processar parceiros abusivos e violentos ou de ir à luta contra a cultura do estupro. Lembremos que ser feminista não é declarar guerra aos homens, é lutar contra o machismo, contra um conjunto de crenças erradas acerca da mulher. Tanto que existem homens feministas e mulheres machistas. Por muito tempo, o desejo feminino foi considerado um tabu e muitas mulheres apanharam dos maridos por não se sentirem amparadas pela lei e ainda hoje, com a Lei Maria da Penha, vemos mulheres ser espancadas e mortas por seus maridos e parceiros.

As mulheres continuam sofrendo com muitos estigmas negativos. Há séculos, os dogmas judaico-cristãos atribuem à mulher a culpa pelo pecado ter entrado no mundo, já que a Bíblia relata que foi Eva quem primeiro comeu o fruto proibido, oferecendo-o em seguida a Adão e que, devido a isso, a mulher recebeu como fardo ser submissa ao marido e sofrer com as dores do parto. Outro estigma negativo é o da cultura do estupro, que culpa a vítima –pois ela teria provocado o estuprador – porque ela não teria se comportado devidamente.

Nossa herança machista é ainda tão forte que permanece entranhada em nosso comportamento. Por um longo tempo, impôs-se à mulher que ela tinha que ser recatada, comportar-se de forma apropriada, não ser “fácil”, casar virgem e reprimir seus desejos. Devido a isso, muitas mulheres nunca conseguiram ter uma vida sexual satisfatória, pois sentir desejo seria pecado. A mulher deveria seguir o exemplo da Virgem Maria, já que se acredita que Maria concebeu Jesus sendo virgem e – segundo os católicos – continuou virgem até o fim.

Outro aspecto da nossa cultura machista nos leva, sem perceber, a aceitar os comportamentos errados dos homens. Acha-se natural que homem seja cafajeste, grosseiro, insensível e que traia. Um bom exemplo desse tipo de homem é o Vadinho, do romance Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado. Mesmo quem apenas assistiu ao filme com Sônia Braga e José Wilker pode ver como a relação entre Vadinho e Flor era claramente abusiva. Vadinho traía Flor com todas as mulheres e a explorava e agredia. Porém, quando ele morreu, Flor sentiu sua falta principalmente porque ele lhe dava satisfação sexual. Muitos até dizem que o romance de Jorge Amado é feminista porque aborda a necessidade feminina de satisfação sexual. Entretanto, na vida real, com certeza nenhuma mulher conseguiria ser feliz com um homem assim. Tirando o fato de que Vadinho era bom em satisfazê-la sexualmente, havia muitos outros fatores negativos que não podiam ser desconsiderados.

Infelizmente, nós, mulheres, podemos fingir não ver as atitudes grosseiras, insensíveis e machistas de nossos parceiros por preferir a desculpa de que “homem é assim mesmo”, deixando de ver que o homem com quem estamos não vale o tempo que gastamos com ele. Quantas não são as mulheres que fingem não se sentir humilhadas por parceiros que as tratam como idiotas, diminuem, traem, constrangem na frente de pessoas estranhas, são possessivos e ciumentos e até violentos? Alguns até usam a desculpa de que “perderam a cabeça” e prometem mudar. Só que é frequente que eles vivam usando essa desculpa e que as mulheres, tolamente, prefiram acreditar nela.

O problema de muitos homens serem assim costuma se dever à educação que ele recebeu desde menino. E muitas mães são machistas e criam filhos machistas e insensíveis. Vemos isso quando se fala de brincadeiras próprias para meninos e meninas, dos pais estimularem os filhos a ser valentes e audaciosos e as filhas a ser recatadas. Também não se pode esquecer que a nossa cultura machista acha natural que as filhas sejam educadas desde cedo a ajudar em casa, mas os filhos, não. Muitas moças se queixam que era comum voltarem cansadas da escola e as mães as chamarem para ajudar em alguma tarefa mas nunca exigirem dos irmãos homens nem mesmo que pusessem a mesa. Como vemos, o problema começa muito cedo em casa.

E, para quem insiste em dizer que feminismo é frescura e mimimi, alegando que mulher tem vida boa porque não é obrigada a entrar no Exército e que muitas, no fundo, adorariam não ter que trabalhar para poder ficar em casa, recordemos que muitas donas de casa vivem insatisfeitas porque ninguém acha que elas trabalham e que muitas mulheres querem entrar no serviço militar. O feminismo não deseja que as mulheres entrem em guerra com os homens. Deseja que as mulheres sejam reconhecidas como indivíduos de valor. Ademais, o aumento de casos de violência doméstica neste tempo de pandemia mostra muito bem como estamos longe de viver num mundo onde imperam o respeito e a igualdade.