Meu corpo, minhas regras
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Meu corpo, minhas regras
O título dessa nossa conversa de hoje é espetacular! Realmente, ter a real e completa noção do que somos e, a partir disso, deliberar em relação ao que fazer com a nossa compleição física é assaz importante. Talvez também em razão disso o tema tenha sido objeto das reflexões de grandes pensadores da historiografia mundial. Não por acaso, Sócrates (479-399 a.C.) tenha nos deixado a máxima nosce te ipsum – que nos persegue até os dias de hoje.
O homem, entretanto, referindo-me ao gênero humano, é o mais arrogante dos animais, dentre todas as espécies. Ele (o homem) se esquece das Escrituras Sagradas que nos orientam a não jurarmos por nossas cabeças, por não termos o poder, nenhum poder, de tornar um fio de cabelo sequer branco ou preto. Alguns diriam: “Quanta tolice! Basta ir a um salão de beleza e pintar da cor que quisermos! Em casa mesmo tal façanha é possível.”. Verdade, não deixa de ser verdade.
O problema é que descobrimos as tinturas capilares, mas nos afastamos das metáforas, infelizmente. As metáforas se tornaram uma figura de linguagem perigosa. Aliás, a própria verdade, stricto sensu, tornou-se um perigo. Não em razão do que é, per si, mas do que imaginamos ser. A verdade está transformada e se relativizou, para o espanto de poucos. Tautologicamente, é possível, partindo-se de uma proposição logicamente falsa (uma mentira), que se chegue a uma verdade. Na vida real, entrementes, essa associação tem sido replicada demais. Afinal, quem nunca ouviu a expressão que ainda embala rodas de intelectuais no mundo inteiro que diz mais ou menos assim: uma mentira, repetida mil vezes, torna-se verdade. Nas relações gregárias parece que funciona. O que não ocorre, nunca, é partirmos de uma verdade e chegarmos a uma mentira – porque a verdade se basta por si só. Portanto, no entendimento de Aristóteles, somente na verdade se encontra a felicidade.
Vivemos num aglomerado social distópico onde discursos, narrativas, desinformações tomam o lugar da verdade com hiperbólica desfaçatez. Além disso, perdemos alguns princípios de referência, dentre os quais se pode citar o da alteridade. Quando afirmamos que somos ditadores soberanos sobre nós mesmos, impondo regras que dependem da nossa percepção de mundo, mas esquecemos, por exemplo, que o ser gerado no ventre é outro ser, deveríamos, no mínimo, usar o alter (outro) e o itas (ser), ou seja, entender a condição de “ser o outro”, recaindo em mais uma condição subjetiva que arrefecemos dentro de nós: a empatia, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro.
Num passado recente, nunca tivemos a vida tão ameaçada. No mundo inteiro, cientistas buscam a cura para uma enfermidade que mudou o comportamento humano, com a celeridade das revoluções. Num aparente paradoxo, entretanto, nunca se discutiu com tanto vigor, entusiasmo e convicção a capacidade de se matar inocentes, em nome da vida e do eu.
O que buscamos, afinal?
Publicado no Jornal A Praça do dia 30 de janeiro de 2021.