Pais cruéis

Gostamos de imaginar os pais como pessoas que estão sempre cheias de boas intenções, prontos a nos atender, compreensivos e dotados de amor incondicional. Entretanto, a realidade nos mostra que muitos pais nem de longe correspondem a esse ideal e poderíamos dizer que eles apenas deram a vida aos filhos, ou seja, são simplesmente genitores, porque ninguém poderia chama-los de pais. Sem mencionar pais do tipo Alexandre Nardoni, precisamos admitir que existem pais excepcionalmente cruéis, que se deleitam em infernizar pelo menos a vida de um dos filhos.

Na vida real, um bom exemplo é Joe Jackson, o pai de Michael Jackson, a quem podemos considerar um verdadeiro pai patrão, porque, desde que seus filhos eram muito jovens, forçou-os a seguir a carreira musical – ele tentou a carreira artística mas não obteve êxito – explorava-os e espancava-os. E a maior vítima era o infeliz Michael. Joe zombava do nariz e das espinhas do pobre Michael que, em qualquer entrevista que dava, nunca perdia uma chance de satanizar o pai.

A ficção também oferece ótimos exemplos de pais e mães cruéis e um clássico é Poil de Carotte em que a mãe, a Sra. Lepic faz de seu filho caçula Foguinho (Poil de Carotte), o alvo de todas as suas maldades, discriminando-o, maltratando-o e provocando desentendimentos na família a ponto do menino lamentar não ser órfão. No cinema, temos a mãe da Preciosa, que fingia não ver que a filha era molestada pelo pai e a espancava e humilhava. Outros exemplos excelentes de pais cruéis na ficção são a Branca da novela Por amor e o Saulo da novela Passione.

Um caso de pai cruel na vida real é o de uma moça chamada Dulcinéia*. O pai adorava botar-lhe apelidos como “Zé de Néia”, “Zefa Néia” ou “Burundega Néia” além de chama-la de gorda, barril, elefanta e zombar de seus cabelos volumosos. Ele a comparava a Cláudia Raia, dizendo que ela parecia um barril em comparação à atriz e também dizia que ela parecia com um personagem de novela cujo apelido era “Bola 7”. Quando a filha reclamava que não gostava que o pai lhe botasse apelidos ou a chamasse de gorda, negra ou descabelada, o pai usava a desculpa de que fazia para o bem dela, para que ela aprendesse a ter equilíbrio emocional.

Hoje, ela reconhece que é filha de um pai narcisista que a escolheu para ser bode expiatório. Aliás, essa moça diz que, embora o pai desse muito a desculpa de que a amava e aquele era apenas o jeito dele, sentia inveja das colegas que tinham pais amorosos. Segundo ela, um dos seus maiores sonhos era que o pai a chamasse de princesa, mas ele sempre só a comparara ao que era feio, desajeitado, sujo e mau, dizendo que o diabo entraria nela por ser uma menina má e que, toda vez que ela adoecia, o pai falava que Deus a tinha castigado.

Infelizmente, muitos são os que não gostam de admitir que existam pais narcisistas e cruéis que não amam os filhos e várias serão as pessoas que tentarão justificar as atitudes desses pais. Talvez digam: “É que seu pai sofreu muito e não consegue demonstrar que ama você.” E isso acontece porque esses pais sabem fingir muito bem, sendo as pessoas mais adoráveis do mundo fora do ambiente doméstico, dando inclusive a entender que os filhos são maus e os fazem sofrer.

Muitos psiquiatras e psicólogos têm se aprofundado na questão e inclusive dizem que é necessário que levemos em consideração a existência de tais pais, que destroem nossa autoestima e nos fazem ter uma imagem distorcida de nós mesmos, levando-nos com frequência a pensar que o defeito é nosso e que algo errado em nós faz com que eles não nos amem como esperamos.

*Nome fictício para proteger a privacidade