A luz, o injustificável e o silêncio
Para milhões de brasileiros, hoje o dia amanheceu com ar de suspense: As duas vacinas que solicitaram aprovação emergencial de uso seriam aprovadas? Não há como definir o alívio ao ver a primeira brasileira ser vacinada: Mônica, uma mulher negra, moradora da periferia, trabalhadora da saúde – Uma representante de tantas outras mulheres brasileiras. Ainda falta bastante para que este alívio chegue a todos e todas, mas o primeiro passo foi dado em direção a uma pequena luz no final do túnel – Luz esta que precisávamos ver após esta semana em que assistimos com perplexidade o colapso do sistema de saúde do Estado do Amazonas e a morte de pessoas pela ausência de oxigênio. O colapso pinta com sangue um quadro dantesco que algumas pessoas insistem em não enxergar: O descaso e a incapacidade do governo federal em garantir condições para o controle da pandemia. Além dos artistas que se uniram para enviar oxigênio, Venezuela expressou sua solidariedade oferecendo médicos e cilindros de oxigênio ao Brasil – A mesma Venezuela governada por Maduro e tantas vezes ofendida pela família presidencial e seus seguidores. Enquanto isso o avião que deveria buscar na Índia doses de vacina permaneceu no chão, aparentemente o especialista em logística que comanda a pasta da saúde pensa que vacina é como lata de cerveja num supermercado: Sempre disponível, só chegar e comprar. Não é bem assim! Quem demorou a manifestar interesse e adquirir as doses precisa entrar na fila e espera a vez – Enquanto isso o número de mortos sobe.
E dá-lhe panelaço e pedidos de Impeachment – Confesso que após todo o estrago feito, será muito difícil e penoso consertar a situação do país. A população precisará estar atenta para cobrar e para construir saídas para a crise – E eu não estou falando de empreendedorismo e coach e sim de organização em fóruns populares e movimentos sociais – Afinal, o poder vem do povo e em seu nome deverá ser exercido. E o impeachment é apenas o primeiro passo para o Brasil sair da crise em que se encontra.
Hoje também está sendo realizado o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e dá um aperto no coração imaginar tantas pessoas jovens expostas a essa doença – Seja no transporte lotado para chegar aos locais de prova (para quem não sabe aos domingos as empresas de transporte diminuem a frota nas ruas, causando aglomerações nos ônibus), seja dentro da sala de aula durante tantas horas – Tudo para buscar uma vaga no ensino superior, para perseguir o sonho de “ser alguém” na vida, pois a sociedade de consumo não consegue entender que um ser humano já é alguém e merece condições dignas mesmo que não possua ensino superior e MBA. Longe de mim dizer que a universidade não é importante – Ela é! Se não fossem as universidades, não teríamos pesquisas, vacinas, equipamentos médicos. Mas não é mais importante do que a própria vida humana, sendo injustificável a exposição a um risco de contaminação para buscar uma vaga.
Injustificável também é o vídeo da execução de dois garotos que estavam nadando na Vila Telma, bairro da baixada santista. Até quando a polícia militar se achará no direito de devolver os impostos que pagamos em balas que sempre encontram as carnes periféricas? Passaram-se apenas dezessete dias desde o início do ano e quantas crianças e adolescentes já sucumbiram vítimas da violência urbana e policial? Onde estão os gritos de indignação daquelas pessoas que protestam contra o abordo se dizendo pró-vida quando vidas são ceifadas de forma tão cruel?
Termino por fim este apanhado da semana com uma pequena reflexão: Se decidíssemos guardar um minuto de silêncio por vida perdida nesta pandemia no Brasil ficaríamos pelo menos 144 dias sem falar nada - Seria um silêncio ensurdecedor.