Colapsando

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Colapsando

São mais de 1.000 focos de incêndios combatidos em 2019. Inúmeras ações de salvamento, atendimentos pré-hospitalares, vistorias técnicas e análise de projetos; pesquisas científicas, proteção ao meio ambiente e atividades socioculturais. O ideal seria que estivéssemos aquartelados, atuando preventivamente e educando as próximas gerações. Infelizmente, nossos inimigos são diários e nossas missões as mais imprevisíveis possíveis. Essa tem sido a realidade do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará. Nada demais, apenas o cumprimento das nossas missões, é verdade, mas é pertinente refletir periodicamente sobre nossos misteres, reavaliar erros e acertos e melhorar, sempre.

Quando atuamos, independente dos fatores adversos que surgem em nossos teatros de operações, pensamos nas vidas que podem ser salvas, nas famílias que sofrerão se falharmos, nas sequelas materiais e espirituais que potencialmente repercutirão no íntimo dos envolvidos diretamente com os fatores adversos decorrentes das ações humanas. Mais que isso: atuamos quando houve falhas preventivas… Mas nem sempre é assim. A realidade revela que também precisamos agir diante da maldade humana, de criminosos que solapam vidas e haveres.

Nos incêndios em vegetação que tanto nos preocupam atualmente, evitamos que casas sejam atingidas; tentamos mitigar os danos à flora e evitamos que animais sejam mortos pela intensidade das chamas. Nessas ocorrências, temos que pensar na direção dos ventos, fazer ou reconstruir aceiros, entender a dinâmica das chamas, dominar a técnica do fogo contra fogo, avaliar o gradiente de queima dos corpos combustíveis; evitar ataques de cobras, suportar a fome, a sede e o cansaço que a exposição a áreas inóspitas proporciona a qualquer ser humano que esteja sob seu raio de ação. E ainda entender o cidadão que nos critica por não estarmos presentes em tantos lugares ao mesmo tempo, em cidades distantes, em pontos de difícil acesso… O máximo que podemos fazer – e isso é ação coletiva, responsabilidade de todos, é educar o outro, orientando sobre os acidentes, indicando medidas preventivas, dando dicas simples que funcionam e salvam.

Em tragédias como a ocorrida em Fortaleza, onde um edifício colapsou, ceifando vidas, destruindo sonhos e patrimônios, precisamos ter a serenidade da espera e o equilíbrio da paciência. Precisamos entender a engenhosa dinâmica que rege as estruturas para avaliar o momento certo de quebrar o concreto, cortar as fiações, retirar os entulhos, manter a área quente limpa e progredir, num ciclo técnico que, aos olhos dos leigos, parece demorado e improdutivo. Afinal, as famílias têm pressa, os curiosos clamam por resolutividade e a vida de quem está sob os escombros não pode esperar.

Durante o resgate, além do abalo emocional que repercute no íntimo de cada um dos componentes das equipes de resgate, precisamos manter o equilíbrio necessário para informar, sem nos envolvermos emocionalmente, que não foi possível salvar – fizemos tudo, mas não conseguimos! Precisamos buscar forças, apesar do cansaço, para aceitar que também falhamos e que nem sempre é possível retirar dos escombros com vida quem, por fatalidade ou descaso ou imprudência esperava pelo nosso socorro – que até chegou, mas não foi possível resgatar.

Por toda essa multiplicidade de ações e diversidade de cenários que nos obrigam a entender um pouco de tudo e dar respostas rápidas para ações que nos submetem aos nossos limites, precisamos nos fortalecer em Deus, acreditar que as pessoas são boas, o mundo é bom e a vida vale a pena ser vivida, sem restrições.

(Publicado no Jornal A Praça do dia 19/10/2019)

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 26/12/2020
Código do texto: T7144413
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