90 anos do Ministério do Trabalho
Ontem passou despercebido um fato importante da história brasileira do século XX: a criação, em 26 de novembro de 1930, durante o governo Getúlio Vargas (1882 - 1954), do Ministério do Trabalho, pasta cujo primeiro ocupante foi o gaúcho de São Leopoldo Lindolfo Collor (1890 - 1942). Qual a importância de falar disso hoje? Muita. Para isso, temos de saber o contexto histórico em que o mesmo surgiu, pois coisa alguma vem do nada, nem alma penada.
Treze dias após assumir o poder no governo-provisório que se seguiu a Revolução de 1930, Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, assim como o Ministério da Educação e Saúde. O objetivo era "modernizar' o país. Sim, "modernizar" o Brasil, o mesmo motivo que o presidente Bolsonaro deu, no seu primeiro dia de governo em janeiro do ano passado, ao extinguir o ministério após 88 anos de existência. Contextos díspares.
ERA VARGAS
Nas primeiras décadas do século passado, vivíamos o auge do crescimento do comunismo e do socialismo no mundo. A influência das ideias de Karl Marx, principalmente a da luta de classes como motor da história - Manifesto Comunista (1848) - e da superação do modo de produção capitalista - O Capital (1867) - começava a gerar governos cuja utopia e, por conseguinte, objetivo principal, era a emancipação da classe trabalhadora, um mundo sem patrões. A Revolução Russa (1917), no penúltimo ano da I Guerra Mundial, foi o evento catarse para tal. Logo, amplos setores dos grupos políticos dominantes em vários países do mundo, ante a real "ameaça" comunista que pairava, reagiram a insensatez e inconsequência liberal de antanho, que os levava, a todos, pelo caminho da lata de lixo da história. Nesse sentido, o que viria a se chamar de "trabalhismo", era uma reação tanto a luta de classes comunista quanto ao liberalismo extremo que gerava desigualdade e miséria ao amontoar as pessoas em grandes centros urbanos a fim de explorar sua mão de obra e acumular grandes ganhos de capital. Resumo do resumo.
Essa ideologia de "conciliação de classes" e de "humanização do capitalismo", frente ao perigo de revoluções comunistas e socialistas, concretizada como politica de governo, trouxe incontestáveis benefícios a então grande massa de trabalhadores assalariados gerados pela Revolução Industrial, organizados nas fábricas e nas cidades conforme o "modelo fordista". O Ministério do Trabalho nasceu nesse contexto e sob essa ótica, bem como viriam depois outras vitórias e conquistas como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), férias remuneradas, 13º salário, voto secreto, voto feminino, ensino primário obrigatório, desenvolvimento da indústria nacional via capital público, dentre muitas outras coisas - o poder dava os anéis e mantinha os dedos, conforme a metáfora manjada, mas válida. Todavia, não foi de graça e sem motivo que Getúlio Vargas virou "O pai dos pobres". Foi mesmo, de fato. Incontestável.
AGENDA NEOLIBERAL
Não é à toa então que quando a onda neoliberal mundial dos anos 1980-90 - posterior à derrocada do "socialismo real" no planeta - chegou ao Brasil com sua agenda de flexibilização de leis trabalhistas e privatizações, o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) falava em "superação da Era Vargas". O próprio PT, pela esquerda, também vinha com discurso parecido, todavia restrito a modificações da legislação sindical, desatrelando o controle estatal dos sindicatos. Com os governos Lula e Dilma a agenda neoliberal perdeu força e ficou em stand by, mas foi ocorrer o impeachment e assumir Michel Temer (MDB) e ela voltou com força renovada. Uma das primeiras ações nesse sentido foi quando o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) desengavetou um projeto parado desde o fim do governo FHC sobre terceirização, que foi aprovado no Congresso Nacional. Na sequência, vieram a reforma trabalhista e a PEC do Congelamento de investimentos em saúde e educação.
GOVERNO BOLSONARO
Mesmo que como deputado federal tenha sido contrário à reforma da Previdência proposta por Temer, e não se comprometido com essa bandeira na campanha eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro, eleito presidente, fez uma. O caráter fundamentalista neoliberal de seu governo, capitaneado na área econômica pelo ministro Paulo Guedes, aprofunda todo dia o desmantelamento de tudo o que já representou um dia uma legislação trabalhista. A extinção do Ministério do Trabalho no primeiro dia do governo, mais do que emblemático, foi norteador. E tudo isso construído ideologicamente reavivando-se artificialmente, numa realidade diversa, o anticomunismo do tempo da Guerra Fria. E o pior é que isso funcionou e grande parcela da população, incrivelmente, comprou e ainda compra essa miragem de museu da extrema-direita herdeira de 1964, totalmente deslocada no tempo e no espaço.
Essa é a conjuntura na qual estamos vivendo no momento, já sentindo seus frutos nefastos para o trabalho assalariado com carteira assinada, principalmente no que tange à fiscalização das poucas leis trabalhistas que ainda existem. É a precarização total do trabalho, ou seja, o exercício profissional com direitos mínimos. O próximo e derradeiro alvo da agenda neoliberal será a Justiça do Trabalho. Estamos voltando para o capitalismo selvagem pré Era Vargas?
O FUTURO
Antes fosse. Nesse quadro consolidado de flexibilização e precarização do mundo do trabalho, as gerações futuras e os trabalhadores atuais começam a colher os frutos amargos e desidratados do que foi plantado por Temer e Bolsonaro. E isso é muito pior do que havia antes da Era Vargas, pois o mundo do trabalho e o processo de produção capitalista estão mudando qualitativamente.
Naquele tempo, a força de trabalho humana em larga escala era necessária no processo produtivo capitalista; agora, não. O avanço tecnológico no modo de produção, geometricamente potencializado pela revolução digital, está colocando o mundo numa fase inédita de desemprego estrutural tecnológico, ou seja, a força de trabalho humana está cada vez mais prescindível. Pensadores já se preocupam com os grandes contingentes populacionais que, no presente, já começam a se tornar inúteis para o processo econômico. Por isso esse desemprego que não cede e, ao contrário, aumenta, pois não é crise conjuntural, é um novo paradigma estrutural. E a maioria das pessoas, claro, não faz essa reflexão, embora sofra o processo em seu cotidiano. Onde e como essas pessoas irão trabalharar? Quando e como essas pessoas irão se aposentar? Quem ou o que garantirá a saude e a educação delas?
Por isso tudo é muito importante falar, hoje, do que representou a criação do Ministério do Trabalho em 1930. Sabendo do que se ganhou no passado, sabe-se do que se está perdendo no presente e no futuro. E por isso também é necessário falar sobre iniciativas como A Economia de Francisco e Clara, debatida na cidade italiana de Assis entre 19 e 21 de novembro passados, por iniciativa do papa argentino Jorge Bergoglio, visando, novamente na história recente, uma humanização da economia. Esse, entretanto, é assunto para outro texto.
Ontem passou despercebido um fato importante da história brasileira do século XX: a criação, em 26 de novembro de 1930, durante o governo Getúlio Vargas (1882 - 1954), do Ministério do Trabalho, pasta cujo primeiro ocupante foi o gaúcho de São Leopoldo Lindolfo Collor (1890 - 1942). Qual a importância de falar disso hoje? Muita. Para isso, temos de saber o contexto histórico em que o mesmo surgiu, pois coisa alguma vem do nada, nem alma penada.
Treze dias após assumir o poder no governo-provisório que se seguiu a Revolução de 1930, Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, assim como o Ministério da Educação e Saúde. O objetivo era "modernizar' o país. Sim, "modernizar" o Brasil, o mesmo motivo que o presidente Bolsonaro deu, no seu primeiro dia de governo em janeiro do ano passado, ao extinguir o ministério após 88 anos de existência. Contextos díspares.
ERA VARGAS
Nas primeiras décadas do século passado, vivíamos o auge do crescimento do comunismo e do socialismo no mundo. A influência das ideias de Karl Marx, principalmente a da luta de classes como motor da história - Manifesto Comunista (1848) - e da superação do modo de produção capitalista - O Capital (1867) - começava a gerar governos cuja utopia e, por conseguinte, objetivo principal, era a emancipação da classe trabalhadora, um mundo sem patrões. A Revolução Russa (1917), no penúltimo ano da I Guerra Mundial, foi o evento catarse para tal. Logo, amplos setores dos grupos políticos dominantes em vários países do mundo, ante a real "ameaça" comunista que pairava, reagiram a insensatez e inconsequência liberal de antanho, que os levava, a todos, pelo caminho da lata de lixo da história. Nesse sentido, o que viria a se chamar de "trabalhismo", era uma reação tanto a luta de classes comunista quanto ao liberalismo extremo que gerava desigualdade e miséria ao amontoar as pessoas em grandes centros urbanos a fim de explorar sua mão de obra e acumular grandes ganhos de capital. Resumo do resumo.
Essa ideologia de "conciliação de classes" e de "humanização do capitalismo", frente ao perigo de revoluções comunistas e socialistas, concretizada como politica de governo, trouxe incontestáveis benefícios a então grande massa de trabalhadores assalariados gerados pela Revolução Industrial, organizados nas fábricas e nas cidades conforme o "modelo fordista". O Ministério do Trabalho nasceu nesse contexto e sob essa ótica, bem como viriam depois outras vitórias e conquistas como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), férias remuneradas, 13º salário, voto secreto, voto feminino, ensino primário obrigatório, desenvolvimento da indústria nacional via capital público, dentre muitas outras coisas - o poder dava os anéis e mantinha os dedos, conforme a metáfora manjada, mas válida. Todavia, não foi de graça e sem motivo que Getúlio Vargas virou "O pai dos pobres". Foi mesmo, de fato. Incontestável.
AGENDA NEOLIBERAL
Não é à toa então que quando a onda neoliberal mundial dos anos 1980-90 - posterior à derrocada do "socialismo real" no planeta - chegou ao Brasil com sua agenda de flexibilização de leis trabalhistas e privatizações, o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) falava em "superação da Era Vargas". O próprio PT, pela esquerda, também vinha com discurso parecido, todavia restrito a modificações da legislação sindical, desatrelando o controle estatal dos sindicatos. Com os governos Lula e Dilma a agenda neoliberal perdeu força e ficou em stand by, mas foi ocorrer o impeachment e assumir Michel Temer (MDB) e ela voltou com força renovada. Uma das primeiras ações nesse sentido foi quando o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) desengavetou um projeto parado desde o fim do governo FHC sobre terceirização, que foi aprovado no Congresso Nacional. Na sequência, vieram a reforma trabalhista e a PEC do Congelamento de investimentos em saúde e educação.
GOVERNO BOLSONARO
Mesmo que como deputado federal tenha sido contrário à reforma da Previdência proposta por Temer, e não se comprometido com essa bandeira na campanha eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro, eleito presidente, fez uma. O caráter fundamentalista neoliberal de seu governo, capitaneado na área econômica pelo ministro Paulo Guedes, aprofunda todo dia o desmantelamento de tudo o que já representou um dia uma legislação trabalhista. A extinção do Ministério do Trabalho no primeiro dia do governo, mais do que emblemático, foi norteador. E tudo isso construído ideologicamente reavivando-se artificialmente, numa realidade diversa, o anticomunismo do tempo da Guerra Fria. E o pior é que isso funcionou e grande parcela da população, incrivelmente, comprou e ainda compra essa miragem de museu da extrema-direita herdeira de 1964, totalmente deslocada no tempo e no espaço.
Essa é a conjuntura na qual estamos vivendo no momento, já sentindo seus frutos nefastos para o trabalho assalariado com carteira assinada, principalmente no que tange à fiscalização das poucas leis trabalhistas que ainda existem. É a precarização total do trabalho, ou seja, o exercício profissional com direitos mínimos. O próximo e derradeiro alvo da agenda neoliberal será a Justiça do Trabalho. Estamos voltando para o capitalismo selvagem pré Era Vargas?
O FUTURO
Antes fosse. Nesse quadro consolidado de flexibilização e precarização do mundo do trabalho, as gerações futuras e os trabalhadores atuais começam a colher os frutos amargos e desidratados do que foi plantado por Temer e Bolsonaro. E isso é muito pior do que havia antes da Era Vargas, pois o mundo do trabalho e o processo de produção capitalista estão mudando qualitativamente.
Naquele tempo, a força de trabalho humana em larga escala era necessária no processo produtivo capitalista; agora, não. O avanço tecnológico no modo de produção, geometricamente potencializado pela revolução digital, está colocando o mundo numa fase inédita de desemprego estrutural tecnológico, ou seja, a força de trabalho humana está cada vez mais prescindível. Pensadores já se preocupam com os grandes contingentes populacionais que, no presente, já começam a se tornar inúteis para o processo econômico. Por isso esse desemprego que não cede e, ao contrário, aumenta, pois não é crise conjuntural, é um novo paradigma estrutural. E a maioria das pessoas, claro, não faz essa reflexão, embora sofra o processo em seu cotidiano. Onde e como essas pessoas irão trabalharar? Quando e como essas pessoas irão se aposentar? Quem ou o que garantirá a saude e a educação delas?
Por isso tudo é muito importante falar, hoje, do que representou a criação do Ministério do Trabalho em 1930. Sabendo do que se ganhou no passado, sabe-se do que se está perdendo no presente e no futuro. E por isso também é necessário falar sobre iniciativas como A Economia de Francisco e Clara, debatida na cidade italiana de Assis entre 19 e 21 de novembro passados, por iniciativa do papa argentino Jorge Bergoglio, visando, novamente na história recente, uma humanização da economia. Esse, entretanto, é assunto para outro texto.