A enganosa inflação oficial e o preço real

O governo prevê inflação de 3,2% em 2020. Mas o aumento de preços de alimentos só até o mês de outubro é de 18%. Como pode ser isto?

Analistas dizem que é porque a previsão baseia-se num amplo leque de produtos e serviços, desde ingressos no futebol até o arroz com feijão e o óleo de soja. Efeito da pandemia, muitos dos preços estão congelados, ou nem estão sendo praticados. No cálculo, a mistura resulta um número ilusório, que não reflete o que a população está gastando para sobreviver.

Qual o motivo do preço dos alimentos disparar? Arroz, feijão, soja, café, carne, o trigo etc., são commodities com preços em dólar no mercado internacional. Em janeiro de 2019 o dólar valia R$3,66. Em outubro de 2020, R$5,77. Com a alta do dólar, na falta de ação governamental para garantir primeiro o abastecimento interno, o agronegócio exporta tudo o que pode. O lucro é muito maior. Exporta-se a soja a preço de dólar, falta óleo no supermercado brasileiro. Ou então o preço doméstico sobe, equipara o preço em dólar.

Qual o motivo da alta do dólar? Mesmo um economista experimentado diria ser difícil responder. A expressão “deus mercado” diz tudo. Mas com certeza um motivo essencial é o descrédito e a instabilidade do governo, quando ele não consegue inspirar confiança nos investidores e credores, que vão investir seu capital em países mais confiáveis. Deixamos de ser um país atraente, os dólares fogem, ficam muito mais caros.

Um governo com responsabilidade tenderia a evitar os dois eventos: a alta do dólar e a exportação descontrolada dos alimentos. Dólar equilibrado é conquistado com governo estável, economia sólida, políticas consequentes, investimento em infraestrutura, criação de empregos, distribuição de renda. Entretanto, mesmo uma economia sólida com um governo responsável pode sofrer os efeitos de crises internacionais. É então necessário ter leis, políticas públicas, bem estruturadas redes de estocagem e distribuição, para garantir que existam produção e condições de comercialização dos produtos que constituem a alimentação da população. Programas de agricultura familiar, linhas de crédito, redes de silos e de transporte, garantia de preços, são requisitos para estabilizar preços e garantir abastecimento. Com um governo responsável, o país não fica a mercê de preços internacionais, amiúde controlados por ataques especuladores.

Falar em governo responsável implica distribuição de renda. O dinheiro que move a economia é o dinheiro do trabalhador que gasta tudo o que recebe para sua sobrevivência, não é um poupador. O dinheiro do rico muitas vezes é aplicado em especulação que só traz lucro ao investidor, quando não é enviado para fora do país, justamente pelas desvantagens internas. Queda do poder aquisitivo dos mais pobres enfraquece o mercado interno, o que agrava a alta do dólar, a evasão de divisas, a exportação descontrolada de alimentos. Um ciclo vicioso.

Arrumar toda essa desarrumação não é tarefa tão difícil. Bastaria um governo responsável, empenhado em atender as necessidades da população, e não a voracidade do mercado.