Religião e direitos humanos

A questão da menina de dez anos que foi submetida a um aborto após engravidar em consequência dos estupros sofridos pelo tio gerou discussões no país e mostrou como ainda estamos longe de chegar a um ponto final em relação aos direitos humanos no nosso país. Poderíamos nos perguntar: o que dizer de todos os grupos religiosos que fizeram manifestação contra o procedimento, como se a menina fosse uma criminosa e não a vítima? Será que esquecem que somos um Estado laico e mais do que ideologias e religiões, o que deve prevalecer em uma situação assim é o bom senso?

Sim, o bom senso. A menina tem apenas dez anos, começou a ser estuprada com apenas seis, sofrendo todo tipo de sevícias, tendo sido violentada não apenas no corpo, mas também no espírito. Não se pode dizer a uma mulher que sofre estupro que isso “já passou”, porque o estupro é um dos piores crimes que se pode cometer contra a liberdade, dignidade e integridade física de um ser humano, seja homem, mulher ou criança. E toda pessoa que o sofre ficará marcada para o resto da vida. A menina, que deveria estar vivendo uma infância feliz, sofreu algo além da sua compreensão e não merecia que pessoas ficassem a se manifestar contra o procedimento altamente necessário. Que condições uma criança de dez anos, cujo corpo não está completamente formado e cuja mente não tem maturidade suficiente para entender a violência que está sofrendo, tem de gerar uma criança?

Alguém desses grupos religiosos pensou na menina, na violência absurda que ela sofreu? Parece que não. Ela foi desrespeitada em sua liberdade, sua estrutura psicológica vai necessitar de reparos profundos e terá de viver com as lembranças dos atos monstruosos que sofreu. Alguém gostaria que sua filha, numa idade em que deveria estar vivendo a infância, fosse violentada e sentisse um ser –fruto da violação – sendo gerado dentro dela? Alguém gostaria que sua filha de dez anos visse o corpo mudando, sem entender direito o que lhe está ocorrendo? Precisamos pensar sem nos deixar mover por motivos de cunho religioso e ideológico, mas ver cada caso na sua particularidade, para termos a necessária sensibilidade ao analisa-lo.

Essa menina foi uma vítima em todas as circunstâncias e necessita de amparo, não de julgamento. Levar adiante uma gravidez só colocaria sua saúde em risco e pioraria seu trauma. Ninguém pode avaliar o que é sentir um fruto de um estupro sendo gerado dentro de nós. Vamos examinar este caso com compaixão, sem julgar alguém que nada foi além de uma vítima em uma história horrível.