Pioneirismo Feminino - Belva Ann Lockwood










Na América, o processo pelo qual os selos entram em circulação começa pelo público. Cerca de 50 mil propostas por ano vão para o Conselho Consultivo dos Selos. O Conselho então faz uma recomendação para o chefe dos Correios. 

Depois você vai entender o motivo desse parágrafo. 

Consciência histórica é um lance legal, tributar um mínimo a galera que lá atrás desembainhou a espada em prol de um futuro melhor, futuro este que então se tornaria uma realidade, enfim, é pura questão de boa vontade para se debruçar nos arquivos. 

Quiçá uma das sisters da Marcha das Vadias lá no Primeiro Mundo saiba quem foi Belva. 

Belva longeva. Na virada dos 1900 ela contava com 70 anos de idade cravados e de bandeira em punho. Há muito. Coleguinha, remember, empatia antes que tardia... Ser septuagenário em 1900 era algo absurdamente diverso do que a bengala no séc. XXI. 

Te ajudando nesse exercício (da empatia), seguem algumas informações sobre o ambiente de 120 anos atrás, nos USA: 

• As mulheres lavavam os cabelos uma vez por mês, com bórax ou gema de ovo. 

• Florence e Bertha eram os nomes femininos mais comuns. 

• Tiroteios na rua consistiam em sério problema. 

• A expectativa de vida era de 47 anos. 

• Só 14% das residências tinham banheiro. 

• Oito por cento, telefone. 

• Noventa e cinco por cento dos partos eram feitos em casa. 

• Noventa por cento dos médicos não tinham faculdade. 

E a nossa protagonista com isso? Ora, ela só conheceu essa revolução de bem estar aos 70 anos de idade. 

Belva Ann Bennett Lockwood, escorpiana de 24 de outubro de 1830, (partiu em maio de 1917), foi advogada, política, educadora e autora, desde o início trabalhou ativamente pelos direitos das mulheres, do sufrágio universal à equiparação salarial e como se não bastasse integrou a liga dos que pediam a Paz para o planeta Terra. 

Arrojada Belva, (e isso poderia se tornar quase uma antonomásia, tipo Rui Barbosa – Águia de Haia, etc.), uma das primeiras advogadas dos EUA (1879), distavam décadas da conquista do voto feminino e ela concorreu para a presidência (!), primeira mulher a aparecer numa cédula eleitoral, anos 1884 e 1888, amparada pelo National Equal Rights Party. 

Me parece que, se você vai inovar, então enfia o pé na jaca logo e não se reprima. 

Queimar lixeira é fácil, colega, quase um ato simiesco. Difícil é fazer o certo, jogando pelas regras num ambiente hostil. 

Com 14 anos ela já lecionava, na escola, e não em casa, aos 18 contraiu matrimônio com um fazendeiro local, Uriah McNall. Com 23 ficou viúva, sem um tostão no bolso e uma filha para criar – Lura. Pelo repertório da época, a última coisa que uma moça faria para, colocando desse modo: uma melhora íntima – mente & espírito – seria um aprimoramento em sua educação. Especialmente uma viúva. 

Coragem e intelecto. Tudo vai bem quando ambos estão sincronizados, ou dão sinais vitais, no mínimo. 

Vejamos, a título de exemplificar, um perfil salarial homem/mulher dos anos 40, séc. XX, no mesmo país, em renomada universidade: 

Mildred trabalha há 13 anos no departamento de literatura ganhando 5.900 dólares/ano. O sr. Moore, no mesmo cargo, com 4 anos a menos na instituição, ganha 7.100 dólares. 

Uma cozinheira ganha 3.200, um eletricista, 3.900. O capelão alcança 4.100, a enfermeira 3.100. 

A srta. Mueler fatura 200 extra ao ano como maestrina do coro, enquanto o sr. Ryan, 400 extra como técnico do time de remo. 

Imagine, se isso era uma realidade em 1947, deixe agora seus conceitos voarem para 1857 – ano em que Belva completou os estudos de praxe e assumiu a direção da Lockport Union School. 

Sua tenacidade, que lhe salvou da penúria e decerto da auto piedade, deu-lhe um emprego de primeira, mas ali, ela já sabia que ganhava a metade do salário de um ser que usasse calças e por ventura tivesse o mesmo cargo. 

Assim, era preciso avançar mais. Foi quando um professor de Leis teve a brilhante idéia de dar aulas particulares e Belva se inscreveu numa das turmas. 

Nos próximos anos ela continuou lecionando e dirigindo várias instituições de ensino para moças. Comenta-se que, lá pelos idos de 1861, sua filosofia educacional foi sofrendo alterações quando tomou contato com mulheres ativistas, tais como Susan B.Anthony. 

Na arte do encontro vem o diálogo, com este a troca de informações, e a partir disto os pontos são conectados com mais facilidade. No mapa mental da pioneira ficou pra lá de evidente que os cursos para moças preparavam-nas apenas para a vida doméstica e quando muito para lecionarem para outras moças os mesmos parâmetros. A ativista Anthony disse que as mulheres mereciam mais opções de estudo, deveriam pensar em carreiras e - em especial - receber melhores salários. A pedagoga Belva colocou na prática esses conceitos em "suas" escolas, abrindo cursos de oratória, botânica e ginástica. 

"Escolher é perder sempre", já disse um filósofo, vale como gancho para um parágrafo, difícil inserir esse mote na própria vida. Aos poucos, Belva trocou as pupilas pelo estudo de direito, mas para estudar pra valer, melhor seria dirigir-se à colméia, ou se preferir, o centro de poder nação. 

Fevereiro de 1866 - Washington D.C., Belva e Lura. A mãe abre uma escola, a filha ganha um padrasto. 

O reverendo Ezekiel Lockwood, veterano da guerra civil, ministro batista e dentista, era mais velho do que ela e tinha a ferramenta certa para esta etapa da jornada – mente aberta. Ele desacreditava do então papel da mulher na sociedade e a encorajou a prosseguir com seus estudos de direito. 

Taí um diploma que foi difícil de tirar e o cara que finalmente intercedeu pelo canudo da sra. Lockwood também fez história - Ulysses S. Grant. O décimo oitavo presidente dos USA, vencedor da Secessão, general, criador do mais antigo parque nacional no mundo - O Parque Nacional de Yellowstone (1872), recebeu uma carta da ex-aluna da Columbian Law School. Detalhe: ali mal conseguiu ir além da matrícula – disseram que ela iria distrair os homens... Enfim, tendo depois se inscrito na National University Law School, em maio de 1873 concluiu o curso e a faculdade se viu, de uma hora para outra, diante de um impasse insolúvel, dir-se-ia um transe, quase um fenômeno: não poderiam dar o diploma a uma mulher. E não deram.

O perfil da Belva não era se fazer de rogada. Sem o diploma não seria admitida na Ordem e por conseguinte não poderia advogar. Um ano depois ela mandou a carta para Grant: clamava por justiça, alegava que concluíra o curso e era de seu merecimento o diploma. Mais uma mente aberta em seu caminho: foi atendida uma semana depois. 

Belva Lockwood – formada em direito aos 43 anos de idade, e de imediato enfrentando um pelotão de juízes que lhe diziam, literalmente: não confiamos em você. Um deles, em determinada ocasião, proclamou que o Altíssimo Todo Poderoso determinara que mulheres não são iguais aos homens e, no instante em que ela iria replicar em sua defesa, foi mandada se retirar do recinto. 

Belva deu de ombros. 

Sua luta agora ganha novos contornos – mulheres não podiam advogar, mulheres casadas tinham escassos direitos legais e pela lei eram subordinadas aos esposos, em alguns estados eram impedidas de possuir ou herdar propriedades, fazer transações comerciais ou poupar dinheiro. Ah sim, isso valia para as casadas.Você acha que é pouco? Enquanto o sr. Lockwood incentivava a esposa a prosseguir na frente de batalha, os juízes, usando o status dela de “mulher casada”, negaram-lhe acesso aos tribunais, incluindo a Suprema Corte. 

Pormenor: nem todas as cortes. 

Belva começa a advogar e a ganhar causas e, em decorrência, mesmo os seus detratores passaram a reconhecer sua competência. Nesses idos ela se torna conhecida por advogar pelos direitos das casadas, solteiras e viúvas. 

Em 1880 ela se torna a primeira mulher a defender um caso perante a Suprema Corte, tendo, nos anos anteriores, conseguido que o Congresso, através de lei, cessasse a discriminação, liberando o sexo feminino para o exercício da advocacia. Nesse ano ela já havia ingressado na viuvez pela segunda vez - o sr. Lockwood falecera três anos antes. 

Será nessa década dos 1880 que ela vai concorrer à presidência duas vezes, numa obteve 4.100 votos, lembrando ao leitor que mulheres não iam às urnas e a mídia, em sua grande maioria, torcia o nariz face a essa estranha empreita. Ah sim, em 85 ela pediu recontagem de votos e ficou no ar a séria suspeita de fraude. 

Os próximos anos revelam a Belva intelectual, ensaísta e articulista em veículos de destaque tais como Cosmopolitan, American Magazine of Civics, Harper's Weekly, e Lippincott's. Suas palavras eram apoio pleno aos movimentos das Sufragistas, da Associação Nacional de Imprensa Feminina, do Partido pela Igualdade de Direitos. 

Antes do fim da década ela foi proprietária de um jornal chamado The Peacemaker, integrando assim mais um movimento, além dos já citados, o Universal Peace Union, que pregava Paz e Desarmamento. Esteve em Londres em 1890 como delegada no Congresso Internacional da Paz e até o momento de seu passamento a Paz Mundial foi sua causa. 

Ficou bem desapontada com o ingresso dos EUA na Primeira Guerra Mundial. 

Bom, é a tal história...Toda vez que alguém desiste de um sonho, um anjo fica desempregado. 

Basta uma mínima reflexão para concluir que, nessa trajetória, anjo algum ficou de mãos abanando. 

(Observação: em 1986 nossa heroína foi homenageada pelo United States Postal Service com uma série de estampas). 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 05/08/2020
Reeditado em 08/08/2020
Código do texto: T7027474
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