A arte do imediato: aprenda a ganhar likes
Não duvidem, é possível estimar quanto tempo, em segundos, um vídeo, texto ou música precisam de imediato oferecer um estímulo ao "consumidor" para que ele seja visto, lido ou ouvido até o final.
Isto significa que os produtores sofrerão uma pressão cada vez maior para que os consumidores tenham de imediato satisfação com este conteúdos, sob risco que diante da imensa oferta de produtos, eles passem de imediato para outro mais rápido e estimulante.
Dou como exemplo a plataforma de vídeo Tik Tok, cujos vídeos só podem durar até um minuto. Com um passar de dedos, é possível o consumidor pular de vídeo em vídeo até que o conteúdo de seu agrado chegue e tenha o tempo de visualização mais as interações para colocar o vídeo mais vezes para exibição.
Este processo seletivo que o consumidor ajudar operar permite destacar os vídeos mais "virais" de tendências de consumo rápido e massificados. Aqueles menos visualizados tendem a ser ostracizados "flopados" na linguagem da área.
É interessante o tipo de artista que se forma ali, é o do tipo que entrega em poucos segundos um conteúdo ou uma mensagem a ser consumida pelas pessoas. Não importa a qualidade do conteúdo ou mesmo se é ou não o que as pessoas estão buscando: a velocidade e o consumo quase instantâneo do conteúdo é que importam.
É notável como muitos produtores de conteúdo para o Tik Tok medem a qualidade do que postam pelo número de visualizações e interações, como se "flopar" significasse o fracasso do que fizeram e produziram. Em outras palavras, não adianta produzir algo bom, com qualidade, conteúdo e técnica se tal coisa não gerar milhares de interações.
Aqui se inverte o propósito que geralmente atribuímos a uma arte ou filosofia. Ao invés de se tornar famoso pela profundidade do conteúdo, torna-se famoso pela superficialidade. A qualidade do conteúdo não tem um fim em si mesma, ela pouco serve se não produzir as "chuvas de likes".
É interessante que tais artistas tem o recurso das lives, muito frequentadas inclusive. São celebridades do imediato e dos memes, a multidão anônima que busca um lugar ao Sol os rodeia em busca de inspiração ou de lições que possam fazer "bombar" seus vídeos ostracizados pelo algoritmo do Tik Tok.
Para colocarmos em uma linguagem mais objetiva, podemos raciocinar da seguinte forma: Quando lemos um livro mais acadêmico, precisamos de tempo para aprofundar e entender seu sentido, pois precisamos de refletir e buscar as referências utilizadas pelo livro. A satisfação não é imediata, pelo contrário, o risco do não entendimento e da perda de tempo sempre acompanham o leitor mais ansioso.
Da mesma forma, quando vemos filmes mais elaborados, precisamos de um tempo para encontrar as referências em nossas memórias ou em outros meios. A satisfação não é entregue de imediato, se tivermos sorte aos poucos vamos captando o sentido e nos prendendo a leitura.
Poderia dar exemplos de outras redes como o Twiiter e Facebook, mas eles possuem outras particularidades que exigiriam outro texto, mas possuem muita semelhança em relação a estes processos.
O que me preocupa é o poder que estas mídias possuem sobre a forma de produzirmos saberes, artes e conteúdos. Sabemos que tais processo constituem um estado avançado de um processo de massificação cultural que remonta a cento e poucos anos.
Não vimos desaparecer as artes eruditas e elaboradas, mas algo tenho certeza: será cada vez mais difícil que os jovens se acostumem com a disciplina necessária aos estudos, audições e apreciações de filmes, livros e músicas mais profundas. Isto por que eles têm um acesso infinitamente superior a qualquer outra geração teve a estes bens massificados.
E detalhe: tais produtos são extremamente perenes e as próprias redes dão conta de substituí-los tão longo não atendam a um propósito de consumo imediato e rápido.
Tal não é novidade para quem aprecia as leituras de Bauman sobre a liquidez moderna. Se tais bens culturais nos servem como mediadores da nossa realidade, isto é, nos servem para dar sentido a ela e torna-la compreensível, o que será da memória e da identidade das pessoas que consomem basicamente estes produtos como forma de entretenimento e mesmo aprendizagem?
Por isto defendo que a formação e valorização do professor como carreira de alto nível é urgente. Somente uma educação progressista, que se atualiza com o mundo, será capaz produzir as reflexões necessárias para que os jovens desnaturalizem estes mecanismos de mídia e possam escolher entre mergulhar ou não na superficialidade dos mesmos.
Até o momento, estamos perdendo esta batalha.