Os males da superproteção
“O pardalzinho nasceu livre.
Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão,
A casa era uma prisão.
O pardalzinho morreu.
O corpo, Sacha enterrou no jardim.
A alma, essa voou para o
Céu dos passarinhos.”
Manuel Bandeira
“A virtude está no meio.”
Aristóteles
Muitos são os que passam os famosos “panos quentes” quando algum filho se queixa dos pais superprotetores, alegando que eles agem assim por amor e só querem o bem dos filhos. Se é por amor, temos de ser sinceros e nos preparar para uma verdade dolorosa: é um amor cruel e daninho, que sufoca o filho ou filha que costuma ser o alvo do excesso de cuidados. E se os pais realmente só querem o bem dos filhos que superprotegem, eles mostram que não sabem que isso não fará nenhum bem para os filhos que impedem de voar com suas próprias asas. Superproteger causa tantos males e traumas quanto os abusos físicos, emocionais e sexuais, a negligência, abandono e outros erros que os pais podem cometer na educação dos filhos.
Como bem diz Aristóteles, a virtude está no meio, na moderação. E a superproteção é um exagero, o oposto da negligência. Pais que prendem os filhos podem usar a justificativa de que não são como tantos outros pais que deixam os filhos soltos. Mas tanto os que soltam demais quanto os que prendem demais estão errados. Todo excesso é perigoso. Quando você protege e prende demais, você impede seus filhos de exercitar a capacidade de discernimento, de interagir com o mundo, conhecer a realidade, de aprender a se arriscar, cometer erros e crescer com eles.
Deve-se dizer que a superproteção é uma atitude abusiva por parte dos pais, porque eles acabam por podar, controlar demais e se intrometer na vida dos filhos como se eles fossem incapazes e não tivessem direito à privacidade e a tomar as suas decisões sobre suas vidas. É como se a vida dos filhos pertencesse aos pai. Pais superprotetores não deixam que os filhos tenham espaço para respirar. Um problema dos pais que superprotegem é eles não ouvirem os filhos ou não darem atenção quando os mesmos querem falar. Não querem entender os sentimentos dos filhos, como se apenas eles tivessem razão, mesmo quando os filhos já são crescidos o suficiente para tomar suas decisões.
Filhos que tiveram a má sorte de ter pais superprotetores crescem se sentindo vigiados, angustiados, vivem numa tensão permanente e são muito frustrados. Quando ainda são pequenos e não conhecem outra realidade, ainda dá para acharem que os pais estão certos em agir assim. Entretanto, quando vão crescendo e conhecendo outras pessoas, vão notar que há algo errado. E se sentirão esquisitas e anormais ao se comparar com outras crianças a quem os pais dão mais liberdade. Imagine a criança que os pais cercam de cuidados vendo outras brincando livres e podendo fazer as coisas que os pais as impedem de fazer sob o pretexto de evitar que se machuquem ou se magoem com algo.
E elas se acharão desajeitadas ao ver as outras, porque pais superprotetores acabam por impedir os filhos de desenvolver traquejo social. Uma criança superprotegida que os pais não permitem que saia, proíbem de fazer várias coisas e tratam como se fosse um bebê se sente como um alienígena e se frustra quando as outras crianças falam de suas experiências. Mas, quando elas vão contar aos pais que os pais das outras dão mais liberdade, deixando-as ir sozinhas à escola ou namorar, logo os pais virão com as costumeiras ladainhas: “É que os pais de Fulano não cuidam dele como eu cuido de você”: “Mas meu filho, o mundo é perigoso demais para eu lhe soltar” ou “Você é muito inocente meu filho, não conhece as maldades do mundo.”
Quando dizem essas coisas, os pais mostram realmente não estar dispostos a entender os filhos. O filho quer se sentir capaz e pensar que, na idade dele, não pode fazer o que vê as outras crianças fazendo irá matar sua autoestima. A criança ou adolescente quer sentir que faz parte de um grupo, não ser tratada como se fosse diferente dos outros, porque, na mente dela, isso significa que ela é menos capaz, menos dotada de traquejo para andar sozinha. Depois, dizer que o mundo é perigoso demais ou que o filho é muito inocente para lidar com as maldades e perigos do mundo deixa implícitas várias mensagens. Os pais estão insinuando que ela não tem condições de se defender, que ela é incapaz, menos dotada de esperteza do que as crianças a quem os pais dão mais liberdade. Criança nenhuma quer que os pais as tratem como se elas fossem de vidro e pudessem se quebrar ao menor golpe que a vida pode lhes dar.
Os pais não podem agir dessa forma. Mais cedo ou mais tarde a vida irá dar golpes e seus filhos sentirão mais justamente porque vocês não os deixaram desenvolver sua própria força, descobrir suas habilidades. Superproteção também é egoísmo. É não deixar que os filhos tracem sozinhos seus caminhos na vida. E isso é algo para que todos nós viemos. Vocês parecem esquecer que não são imortais e que todo ser humano veio ao mundo para vencer obstáculos, descobrir o que lhe convém, o que lhe serve. Tratar seu filho como se ele fosse de cristal irá enfraquece-lo, torna-lo vulnerável e ele será um adulto deprimido, com dificuldade para tomar decisões, enfrentar pressões e se virar sozinho.
Seria bom que eles se colocassem no lugar dos filhos, mas jamais o farão. E dependerá dos filhos aprender a colocar um limite, porque isso é algo que esses pais não têm. Porém, filhos superprotegidos são inseguros, porque seus pais são mestres em podar, fazer chantagem emocional, manipular e oprimir. Quando os filhos tentam romper com essa opressão insana, os pais logo usarão de artimanhas, dizendo que os filhos são egoístas e ingratos, não entendendo que os pais tudo fazem por eles, que eles só querem o melhor para eles porque o mundo é perigoso e cruel. E os filhos se sentirão culpados por “ofender” seus pais.
A mente da pessoa superprotegida fica muito embotada, com dificuldade de discernir as atitudes doentias dos seus pais, que se recusam a ver os filhos como indivíduos e os enchem de medos imaginários. Alguns pais chegam ao extremo do exagero nos cuidados. Uma moça contou que quando não queria ir a algum lugar com os pais porque era chato e queria ficar em casa para ver desenho animado quando criança, os pais diziam: “mas se você ficar em casa, entra um ladrão aqui e mata você.” Isso traumatiza ou não uma criança?
Segundo ela, os pais ainda ficavam em cima dela na hora do dever de casa e a mãe ficava vigiando quando ela falava ao telefone com alguém para saber se ela estava namorando. A mãe e o pai também implicavam com suas amizades. Ela não podia ter qualquer amizade mais forte com uma mulher que eles ficavam a atormentá-la dizendo que a mulher devia ser homossexual. Com certeza, nenhuma pessoa que viva em um ambiente assim pode desenvolver saúde emocional.
Esses pais deviam aprender uma coisa: não adianta apenas dar tudo o que os filhos precisam se isso quer dizer não deixa-los viver com liberdade. Educar não é apenas dar alimentos, roupas e outras coisas necessárias para o conforto. Caso alguém leia a poesia O pássaro cativo de Olavo Bilac ou O pardalzinho, de Manuel Bandeira, verá que de nada adianta se ter tudo que precisa para uma vida confortável se não se pode voar, ser livre. Assim como o pardalzinho da poesia de Bandeira morreu de tristeza, a pessoa superprotegida demora a se recuperar das sequelas psicológicas da superproteção, pois esta mata o espírito de iniciativa, a autoconfiança, ousadia, criatividade e determinação de alguém.
O filho ou filha que tem o azar de ser alvo desses “cuidados” se sente impedido de ser quem é, porque tudo que ele quer tentar , os pais não lhe permitem. Ele às vezes quer fazer algo e os pais sempre impedem, nunca o deixam tentar e usam desculpas como: você não tem experiência de vida, meu filho. Alguém devia dizer algo a esses pais. Deveria dizer: é, realmente, seu filho não tem experiência de vida e vocês, agindo assim, farão com que ele nunca a tenha. A não ser que o filho desperte e veja logo o quanto esse “amor” é doentio, sofrerá por longos anos.
Pais têm que entender que filhos são indivíduos. Nós não podemos querer ter filhos para mantê-los junto a nós. Se eles não viverem suas vidas para ficar perto de nós, um dia irão se ressentir de tudo que não viveram. E de como a educação errada os deixou despreparados para enfrentar as adversidades. Se alguém lembra de Por amor, com certeza ficou horrorizado com a atitude de Helena de trocar seu filho pelo filho morto da filha Eduarda. No final, ela não agiu por amor, mas por egoísmo, querendo ter direito a decidir a vida dos outros, esquecendo que todos têm de lutar suas batalhas e aprender a desenvolver couraça para se tornar resistentes.
A superproteção sempre será uma terrível mutilação.