A banalização da justiça nas redes sociais
Na busca pelo certo, a sociedade se distancia da efetividade.
As redes sociais ganham espaço, cada vez mais, na busca por justiça à qualquer custo. A luta pelos direitos é imprescindível à redução de desigualdades e de tantos outros obstáculos sociais...na verdade: é essencial em qualquer situação que negue um aspecto intrínseco ao homem. No entanto, o que talvez não seja tão notável aos olhos dos que buscam a justiça, sem que estes sejam diretamente injustiçados, é que a rede social, da forma como está sendo utilizada, em nada colabora para aniquilar as parcialidades que se alastram na humanidade. Pelo contrário, intensifica práticas discriminatórias.
O intuito é, ou ao menos deveria ser, combater pensamentos distorcidos e retrógrados de grupos cujas condutas, seja pela fala ou ação, não mais condizem com o contexto atual, marcado por ecos de liberdade gerados pelas mais variadas vozes. No entanto, se o objetivo é atingir a mudança comportamental de misóginos, racistas, homofóbicos, gordofóbicos, machistas e tantos outros... a tarefa precisa mudar. Por que? O fato de divulgar incessantemente postagens que mostram-se, à priori, como instrumento de justiça, não só desvincula-se do real princípio como é capaz de gerar reação contrária por parte daqueles que realmente precisam enxergar o erro e desintegrar ignorâncias. Afinal, se não fossem eles não estaríamos precisando lutar pela consolidação dos Direitos Humanos. Em outras palavras, quando um sujeito que exala intolerância olha postagens como essas, propagadas de forma frequente e contínua, a última opção dele é exigir, de sí mesmo, uma reflexão sobre quão repugnantes são seus comportamentos em vida. Primeiro porque ele sequer reconhece seu erro ao olhá-las e, segundo, porque na realidade, o que ele pensa ao se deparar com essa onda de justiça, é achar que o problema já foi resolvido devido à quantidade de usuários que mostram-se, aparentemente, solidários às causas. Sendo assim, ele consideraria que o clamor não passa de drama.
O ponto é que o verdadeiro problema, de uma forma ou de outra, deixa de ser a falta de atitudes e denúncias perante situações de preconceito, e passa a ser deslocado à falta de "postagens" que enaltecem os que de fato são oprimidos. Até porque, pense nessa situação: você sentado na calçada e de repente, presencia um ato machista. Sendo você um ser defensor da igualdade, tomaria frente da situação para não só acolher aquele que foi humilhado, mas expor, ao agressor, o quão desumana foi a conduta dele e, obviamente, denunciar. Sejamos realistas, o homem não iria mudar do dia pra noite, já que toda mudança social é extremamente lenta se considerarmos a busca por desconstruções sólidas...mas, tenha certeza de que o ser intolerante refletiria, nem que seja na hora de dormir, sobre sua atitude. Diferentemente do que ocorre nas redes sociais, onde pessoas que jamais tomam partido frente às injustiças na vida real, enxergam nas postagens um meio, superficial e questionável, de se posicionar. O agressor que vê a postagem, não vê seu erro; o agressor que vê a postagem enxerga mais um motivo para estar do lado errado; o agressor que vê a postagem não vai mudar e nem refletir ao passar o olho, por cinco segundos, em uma manchete; assim como você que posta, não trará revolução com essa simples atitude; aqueles que mostram a indignação no momento em que a injustiça fala mais alto, são os que realmente trazem algum significado para a luta dos que buscam imparcialidades. Estes sim, que no momento mais desconfortável, combatem a intolerância. Postagens são fáceis e cômodas, todos conseguem propagá-las. A ausência delas é indiferente: a presença delas está longe de ser a solução.
As postagens em redes sociais desviam-se da ideia de que uma mudança só é alcançada quando atitudes são repensadas; ao contrário, o foco, mesmo que inconsciente, passa a ser a aprovação social, a necessidade em expor sua alma que transborda humanidade. Esses dias conversei com uma amiga que vive postando injustiças e apontando o erro dos outros, até que ela comentou sobre um menino que conhecia, dizendo que ele era preconceituoso ao extremo. Bom, perguntei, obviamente, se ela conversou com ele. Ela respondeu: "sim, mas não adianta falar, ele não vai mudar de opinião". Fiquei indignada e comecei a questionar qual o real propósito da busca pela justiça...seria o de alcançar pessoas que já tem alto grau de consciência coletiva? Não faz sentido. Para conseguirmos alguma evolução, nosso papel é sim de nos unirmos, mas isso não basta. Não mesmo. Nosso papel é gradual; é sobre conversar, posicionar, apontar, quantas vezes forem necessárias, diante daqueles que são justamente a pedra no caminho da igualdade de direitos. Mais uma vez, as redes sociais agem mais como elemento que gera comodismo.
O pior vício do humano, ao meu ver, é a busca por soluções rasas para problemas profundos, tão rasas como meras postagens de curta duração, e que, sobretudo, funcionam para banalizar um instrumento social tão importante para a justiça: a atitude. Banalizamos os empecilhos estruturais, como se tudo estivesse solucionado. Afinal, são tantas pessoas que postam. Afinal, já fiz minha parte em milésimos de segundos, bastou um "clique".