Orientar não é se intrometer
Muitos são os pais que, a pretexto de “orientar” e “guiar” os filhos, intrometem-se em suas vidas, chegando ao ponto de atrapalhar namoros, invadir sua privacidade, achar que podem mesmo decidir que carreira eles têm de seguir e manipulando-os, impedindo-os de andar com as próprias pernas e se tornar independentes. Usar a justificativa de que se faz isso em nome do amor já não serve mais. Esse tipo de amor é daninho, mutila e torna os filhos infelizes. E esses pais são tóxicos, porque sufocam, manipulam e atormentam mentalmente os filhos. Pais controladores só geram filhos infelizes e inseguros. Muitos filhos desses pais não conseguem nunca se libertar interiormente das sequelas psicológicas resultantes desse controle doentio, desenvolvendo depressão, ansiedade e outros problemas como falta de confiança em si mesmos, visto que os pais não os deixaram exercer a sua liberdade de escolher nem quiseram que aprendessem, por si próprios, a conhecer o mundo e ver o que era bom para eles.
A ficção tem vários bons exemplos de como pais controladores podem comprometer a felicidade dos filhos. Um exemplo clássico é Madame Bovary. Muitos falam que Charles, o marido traído de Emma Bovary, é um homem fraco e um médico incompetente mas, se analisarmos bem sua vida, veremos que a mãe influenciou grandemente a passividade e inaptidão de seu filho. A mãe de Charles Bovary é uma mulher extremamente controladora, que o fez estudar para médico, superprotegeu, arrumou para que trabalhasse numa província e, ainda por cima, escolheu para ele sua primeira esposa, uma mulher viúva e muito mais velha. O único ato de rebeldia de Charles foi casar com Emma após a morte da primeira esposa, para desgosto de sua mãe, que vivia se intrometendo na vida do casal, criticando os gastos de luxos da Madame Bovary do título. O que ela mais lamentava era que, tendo Charles casado com Emma, ela deixara de ser a favorita do filho.
Outro bom exemplo é o telefilme O segredo de Kate – que passava no Cinema em casa no SBT – em que vemos uma mulher linda, magra, loura, casada com um advogado bem-sucedido e aparentemente tem uma vida perfeita segundo os padrões norte-americanos: tem um bom padrão de vida, uma linda filha e mora numa bela casa em um subúrbio. Entretanto, logo vemos que a vida perfeita de Kate não é tão perfeita assim. Ela é insegura, obcecada em ser a mãe e esposa perfeita, vive preocupada em não engordar, o marido é ausente (e adúltero) e a sua mãe, mulher controladora, está sempre dando palpites na sua vida, como se ela não fosse uma mulher adulta e capaz, mas uma criança que cresceu apenas no tamanho. E não demora a que descubramos que Kate sofre de bulimia e, no transcorrer da história, vemos que sua mãe não é de grande ajuda. O clímax do filme ocorre quando Kate, recuperando-se de uma hemorragia sofrida após induzir o vômito, confessa que fora abandonada pelo pai ainda criança e a mãe lhe dissera que o pai fora embora por ela ser uma menina ruim. Assim, entendemos que Kate ainda é uma criança (no corpo de uma mulher adulta) preocupada em ser perfeita e agradar por medo de ser abandonada devido à opressão materna, o que nos dá uma ideia de como pais controladores que se intrometem em nossas vidas podem ser prejudiciais.
Pais controladores são tóxicos, não conhecem seus limites e nunca irão parar a não ser que a gente dê um basta. Eles acham que têm que decidir nossos gostos, maneira de vestir, que sabem tudo que nos serve e podemos acabar nos despersonalizando para nos tornar o que eles querem. Quando tentamos sair um pouco do controle deles, logo vem a terrível chantagem emocional. Ficam fazendo pressão psicológica, choradeiras e usam todo tipo de manipulação. Se você não quer usar uma roupa ou corte de cabelo que lhe obrigam a usar, saem com argumentos do tipo: “Ah, eu tenho tanto trabalho para lhe criar, faço tudo por você e você só vem com ingratidão. Escolho uma roupa tão bonita e você não quer?”
O pior é quando você quer dar um passo na direção da sua independência e eles sabotam. Talvez ajam assim por não querer perder o controle que exercem sobre você ou por desejar ter uma companhia que os ampare na velhice. Deve-se dizer isso porque esses pais não estão agindo assim por amor. É tudo interesse. Quantos filhos não perderam oportunidades de emprego ou de pós-graduação em outras cidades ou no exterior porque os pais, ao saber, ficaram fazendo birra, dizendo que os filhos os estavam abandonando ou usaram de artimanhas para convencê-los a não ir, falando: “Mas meu filho, você é muito criança, não conhece nada da vida, como vai se virar em uma cidade estranha? “ Engraçado é que muitos desses pais, depois, ficam jogando na cara dos filhos que eles, “até agora não fizeram nada na vida enquanto o filho de Fulano ou Sicrano já conseguiu uma promoção ou está fazendo mestrado na Inglaterra.” Enaltecem os filhos dos outros mas quando seus filhos querem tentar algo para vencer na vida, manipulam suas mentes vulneráveis para que nunca deem um passo maior que as pernas, impedindo-os de crescer realmente.
Para piorar, há filhos e filhas que jamais casam por causa da intromissão dos pais controladores, que atrapalham namoros, dizendo “tal pessoa não serve para você”; “você devia ficar solteira, minha filha, hoje nenhum homem presta.” Bem, está certo que muitos casamentos terminam mal, só que isso não dá aos pais direito de impedir os filhos de ter suas próprias experiências. Sofrer é parte de estarmos vivos. Os pais devem aconselhar, claro, principalmente se os filhos são adolescentes, dizendo – inclusive às filhas – que tomem cuidado com namorados que não os valorizem, que nunca assumam logo compromissos sérios antes de conhecer bem as pessoas e que, se um namoro não der certo, isso faz parte do amadurecimento. Porém, prestemos atenção quando os pais se intrometem demais.
Uma moça costumava se queixar que a mãe e o pai eram sempre dizendo que namoro não prestava, que era melhor não namorar para não sofrer, porque casamento não tinha futuro. E eles se metiam toda vez que ela se interessava por alguém. O que isso indica? Ou os pais eram muito infelizes e achavam que nenhum casamento prestava ou não queriam que a filha fosse embora. Todo terapeuta familiar diz que isso não é amor, mas um vínculo doentio que os pais criaram em relação ao filho. Infelizmente, certos pais, porque não foram felizes em suas vidas amorosas, talvez tenham criado uma paranoia ou então não admitam – isso existe, por mais chocante que pareça – que os filhos deem certo onde eles não conseguiram ter êxito. Soa estranho, porém muitos pais têm inveja dos filhos e por isso podam suas tentativas de êxito na vida profissional e/ou amorosa.
Entre as piores coisas que os pais podem fazer, causando verdadeiros estragos, é impor uma profissão. Temos de tomar cuidado se nossos pais vierem com uma conversa de que temos que fazer tal curso ou seguir tal carreira e não queiram nos ouvir se dissermos que não temos vocação. Se eles agem assim, mostram que não se importam com o que você pensa ou sente. Estão pensando apenas no que os satisfaz. E, se você disser que tal carreira ou curso não lhe faz feliz e vierem com conversas para dizer que você é ingrato ou ingrata, não entende que só querem seu bem ou felicidade e não veem tudo que fazem por você, reflita: “ desde quando alguém tem o direito de decidir nossa vida por nós?” Vocação e carreira são coisas pessoais, a escolha deve ser sua. Caso você comece um curso e depois veja que não era o que queria, não deve se condenar por isso. Quando somos jovens, é natural que erremos. Mas você é que deve decidir seu caminho.
Há pais que pressionam mesmo. Dão a entender que o fato de você não querer seguir o caminho que eles desejam para você é um defeito moral, um pecado grave que você cometeu para ofendê-los. Cuidado. Isso é um sinal de parentalidade tóxica. Educar e orientar não quer dizer que eles têm o direito de se intrometer na sua vida, interferindo nos seus namoros, impedindo-o de fazer certas coisas e obrigando a fazer outras, impondo que você seja de um jeito ou faça um curso para seguir uma carreira. No final, imagine a si mesmo mais velho, sentindo que perdeu tempo fazendo um curso universitário que não queria, estudando um monte de coisa que não tinha a menor vontade de aprender apenas para satisfazer a outras pessoas, que não se importaram se você estava feliz ou não e agiam como se o fato de você não ter vocação para aquilo os ofendesse? Terá valido a pena?
Se seus pais não querem ouvir como você se sente ou pensa e ficam impondo o que eles desejam para você, não ceda. Ouça o seu coração. Ninguém pode obrigar você a ser médico, advogado, professor ou engenheiro. E tome cuidado porque, após fazer um curso que odiava e ter de seguir uma carreira que não sonhava para você, tudo que conseguirá é ser um profissional incompetente, infeliz e frustrado. Houve o caso de uma moça que foi forçada a fazer Serviço Social porque os pais não queriam que fizesse Psicologia. Ela desenvolveu anorexia e hoje não pode ter filhos e seus ossos serão frágeis para sempre. Pais controladores que confundem intromissão com orientar e guiar só causarão danos nas nossas vidas se não fizermos algo para sair do seu controle.