Os prejuízos causados pela pandemia à agricultura familiar

Com a propagação do novo Coronavírus, mudanças de rotinas e decretos de isolamento social – apesar de serem extremamente necessárias – geraram inúmeras dificuldades para a agricultura familiar[1]. Perdas de estoque, prejuízos financeiros e incertezas em relação a safras futuras estão entre alguns dos principais problemas enfrentados pelos estabelecimentos produtivos. Em várias localidades, produtores brasileiros que fornecem insumos para os comércios locais, estão tendo problemas para manter suas atividades agrícolas.

atura e orgânicas que eram distribuídas para alimentação das crianças da cidade de Cametá, no Pará, se acumularam nos freezers das agricultoras. Em Remanso, município da Bahia, frutas e hortaliças não chegaram até a população. Nas áreas rurais, próximas da região metropolitana de São Paulo, a queda da produção foi estimada entorno de 80%. No Acre, cooperativas agroextrativistas reduziram suas atividades, com impactos na comercialização da castanha-do-brasil (também conhecida como castanha-do-pará), principal produto extrativista do Acre.

Em consequência do fechamento de hotéis, pousadas, bares e restaurantes, inúmeros produtores diminuíram drasticamente sua produção, além de terem que lidar com o desperdício de alimentos por causa da queda nas vendas. Soma-se a isso, a mudança de hábitos dos consumidores durante a quarentena que dificultam ainda mais a comercialização dos seus produtos alimentícios. Todos esses aspectos mencionados representam uma perda significativa na renda de muitas famílias produtoras.

Como resposta à crise, produtores, buscam alternativas para escoar sua produção. Para muitos, uma das principais soluções têm sido a venda direta ao consumidor final. Alterações relacionadas a comunicação, logística e até mesmo a maneira de se produzir tiveram que ser implementadas em poucos dias, com o objetivo de interromper a queda brusca na comercialização e como meio de manter a venda num patamar aceitável.

Em Cametá, por exemplo, as agricultoras montaram cestas de produtos e vão atrás de consumidores pelo WhatsApp para fazerem vendas pontuais e, pelo menos, diminuir os prejuízos. Nesse sentido, feiras online foram criadas em Janaúba, no norte de Minas Gerais, e em Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte. Nessa mesma capital, os clientes fazem os pedidos por aplicativos de celular e retiram os produtos no local que funcionava a feira.

Lideranças e movimentos sociais do campo pressionam o Governo Federal para que encontre soluções efetivas para atenuar os efeitos da crise sanitária. Uma das principais reivindicações é para que o governo conceda crédito suplementar de R$ 1 bilhão de reais, destinados à compra de produtos da agricultura familiar, sobretudo para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)[2].

Essa política contribui significativamente, para melhores condições de uma parte mais empobrecida da agricultura familiar, visto que os agricultores, mesmo produzindo muito alimentos, nem sempre tem acesso a tudo que necessitam. O incentivo do poder público ao programa ainda é irrisório. Parte mínima do valor garantido pelo governo (cerca de R$ 220 milhões) começou a ser operacionalizado em maio. Falta agilidade diante de tamanha urgência. Ainda não se tem previsão quanto ao restante.

Por fim, a agricultura familiar é um setor de extrema importância e que não pode parar. A pandemia global tem demostrado e reforçado o papel fundamental dos “pequenos produtores” para que não haja crise de abastecimento, como forma de garantir a segurança alimentar e nutricional da população. Apesar do cenário de constante incertezas e dos efeitos perversos do Covid-19, além do enorme descaso do governo, milhares de agricultoras e agricultores familiares seguem na luta por melhores condições sem, no entanto, deixar que os alimentos saudáveis cheguem à mesa dos brasileiros.

[1] A agricultura familiar emprega cerca de 10 milhões de pessoas, das 15,1 milhões que trabalha no setor agropecuário brasileiro, segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No mundo todo, conforme aponto os dados da FAO a produção com base familiar é mais de 80 %. Mais de 90% das 570 milhões de propriedades agrícolas no mundo são administradas por um indivíduo ou por uma família e dependem principalmente da mão de obra familiar.

[2] O PAA foi criado em 2003, durante o primeiro mandato do Governo Lula no âmbito do Fome Zero, como forma de incentivar a agricultura familiar e expandir as opções de acesso aos alimentos. Ele é operado pelos governos estaduais e pelo CONAB (Companhia Nacional de Abastecimentos), vinculado pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.