Melhor seria não falar de Floyd

Violências racistas me fazem lembrar do filme Imitação da vida (Imitation of Life). Não vou resenhar o filme neste texto, mas o recomendo enfaticamente. Interessante que é uma produção norte-americana com Lana Turner, Sandra Dee, Juanita Moore e outros.

Do pouco que sabemos sobre o racismo nos EUA, há o fato de que eles, em geral, se importam pela cor e pelas origens, isto é, se a pessoa tem pele clara e se sabe que os pais ou avós têm pele escura e outras características sempre apontadas como da raça negra, a clareza da pele não vai servir para nada. O filme mostra que é assim.

Preciso andar devagar com esse andor, pois os tempos mudam e não sei bem como evoluiu dos anos 50 para cá o problema do racismo naquelas terras do Tio Sam. Desta vez, o país cuja fama é a de ser democrático (o que parece ter provado com duas eleições do negro Obama, mas não sem algum tipo de problema), não dormia bem sabendo que na Casa Branca passou a viver uma família como a do Barack.

A vingança chegou, uma égua fogosa montada por Trump, um homem branco com cabelos loiros e olhos de azul celeste. Além disso, um topetudo capaz de proferir, durante a campanha para a Presidência, a execrável frase: “Let’s make America white again”. Meu Deus, essa frase encerra todo o desprezo pelos negros e especialmente pela ocupação da White Hall por um negro que ganhou a simpatia do mundo. Negro e filho de negro com branca, de origem pobre. Pronto, cheguei na palavra que eu queria alcançar, pobre.

O capitalismo até faz uma falsa vista grossa para negros, menos e de forma alguma para pobres. Pobre não vale, quer preto ou não. Pobre é um mal a ser vencido na cabeça e na alma doentia dos capitalistas. Pobre é sinônimo de prejuízo. Estamos vendo diante de nós o maior de todos os preconceitos, a pobreza, a miserabilidade. No Brasil também, onde as riquezas estão concentradas nas mãos de poucos, muito possivelmente “brancos”.

Tem dinheiro, dólar, euro, reais? Muito? Muito mesmo? Muitão? É um potentado e escovado milionário? Banqueiro? É a fantástica Oprah? É a bela Beyoncé? Ah, então, os olhos azuis do branco mandão veem todos iguais a ele. Isto é, fingem ver um branco por dentro e por fora de um negro, que deve pagar para ser aceito socialmente. E quem disse a você que branco pobre é branco? Nada disso, branco pobre é preto e pior que preto, pois não soube ter dinheiro com a cor de pele que tem.

Para continuar sendo aceito, o negro, ainda que miliardário, tem que fingir que não sabe de sua origem, de sua cor, tem que manter uns passos atrás e nunca se atrever a aparecer e a causar mais que um branco rico e poderoso.

Em meio a esse contexto, o branco vai organizando estratégias de afastamento, de exclusão para que novos negros ricos não apareçam. Mas, vão surgindo artistas, atletas, intelectuais e a situação vai piorando com os brancos se sentindo ameaçados.

Entre os negros norte-americanos e os brasileiros existem os sem caráter, são aqueles que topam tudo por uma posição sob o sol dos famosos nas artes e bem-sucedidos no mercado financeiro ou na política. Esses envergonham sua condição, humilham os irmãos que não se submetem. No Brasil, existem muitos assim, a exemplo do jovem político Holiday, com esse nome discrepante de sua brasilidade e, ainda, o equivocado direitista, Presidente da Fundação Palmares, o jornalista Sérgio Nascimento de Camargo. Este nega o racismo para não se dizer racista, que paradoxal. E é um especialista nos estudos da literatura negra. Os negros como Holiday e Sérgio colocam a perder qualquer movimento negro, qualquer pensamento favorável ao Sistema de Cotas.

Em detrimento da complexidade da questão racial, é impossível ignorar e deixar passar impunemente um crime hediondo como o praticado pelo policial Derek Chauvin, assistido de forma indiferente por três de seus colegas de farda. E por pessoas que nada fizeram, não puderam ou não quiseram fazer para impedir aquele horror. George Floyd é só um exemplo. Todos os dias, crimes assim acontecem. Todos os dias! Lá e cá.

O sangue do negro escorre pelas encostas dos morros, pelas paredes das prisões, pelas ruas e pátios das escolas, pelos inocentes canteiros das praças. Os negros pobres, todos os pobres estão “na contramão, atrapalhando o trânsito”. Dos brancos e dos pretos ricos e convenientes para o próprio bem-estar. George Floyd não era cantor, atleta, ator. Era preto e pobre e queria apenas fumar. Sua pátria amada lhe negou os cigarros.