ÍNDIOS ISOLADOS: PROTEÇÃO, EXCLUSÃO OU DOMINAÇÃO?
FONTE: CASTRO, Onésimo Martins de. Índios isolados: proteção, exclusão ou dominação. In: LIDÓRIO, Ronaldo. (Org.). Índios do Brasil; avaliando a missão da Igreja. Viçosa, Ultimato, 2002, p. 217-232
INTRODUÇÃO
A política indigenista brasileira tem sido marcada por várias tendências, movidas pelo espírito dominador do colonialismo e egocentrismo humano em detrimento dos direitos indígenas. Os primeiros anos de colonização do Brasil foram caracterizados pelo esforço dos Jesuítas em catequizar os índios e transformá-los em cristãos, enquanto os colonizadores usavam a força para escravizá-los e usá-los como mão de obra barata. Por outro lado, o esforço dos protestantes franceses e holandeses de anunciar-lhes o Evangelho, foi sufocado a preço de sangue pelos portugueses. Frustrada a tentativa de escravidão, passaram a ser considerados empecilhos para o progresso do país e, consequentemente, fadados ao processo de extinção. Nem mesmo o romantismo de José de Alencar, representante da tendência da época em que se procurava criar o mito do “índio perfeito”, conseguiu mudar esse conceito. Somente, no início do século XX, com a criação do SPI (Serviço de Proteção aos Índios) em 1910 e a atuação das Missões Evangélicas, a partir de 1913, é que os indígenas começaram a ser reconhecidos e respeitados. A ascensão da Antropologia, da Sociologia, etc. e dos movimentos ecológicos, fez ressurgiu a tendência romântica do “índio perfeito e inocente” e só corrompido pelo contato com a sociedade dominante, criando assim o “mito do índio isolado”. Essa ideologia tem sido pregada com tanta veemência que muitos, sem nunca ter visto um índio de perto e ou estar envolvido na causa indígena, defende com unhas e dentes essa tendência.
Diante disso, vale perguntar: Quem são os índios isolados? Quais são os efeitos do contato com os grupos isolados? Os índios isolados estão protegidos? Podem os grupos minoritários sobreviver no isolamento? Querem os índios viver isolados? Até quando devem viver no isolamento? Essas e outras perguntas precisam ser respondidas com muita coerência para que os indígenas brasileiros, depois de 500 anos de dominação e exploração, não continuem a ser objetos das tendências impostas pela sociedade dominante, em detrimento dos seus direitos constitucionais garantidos e da manifestação da vontade indígena sobre o assunto.
QUEM SÃO OS ÍNDIOS ISOLADOS?
A Lei. 6.001 de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, Art.4.º, diz que os índios são considerados isolados: “Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional.”
Essa terminologia veio substituir os termos depreciativos de índios bravos, selvagens, arredios, etc., usados até então para se referir àqueles que ainda estão afastados do convívio com a sociedade envolvente e do uso dos bens produzidos pela sociedade industrializada. Segundo os sertanistas da Funai são os que:
Diante disso, vale perguntar: Quem são os índios isolados? Quais são os efeitos do contato com os grupos isolados? Os índios isolados estão protegidos? Podem os grupos minoritários sobreviver no isolamento? Querem os índios viver isolados? Até quando devem viver no isolamento? Essas e outras perguntas precisam ser respondidas com muita coerência para que os indígenas brasileiros, depois de 500 anos de dominação e exploração, não continuem a ser objetos das tendências impostas pela sociedade dominante, em detrimento dos seus direitos constitucionais garantidos e da manifestação da vontade indígena sobre o assunto.
QUEM SÃO OS ÍNDIOS ISOLADOS?
A Lei. 6.001 de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, Art.4.º, diz que os índios são considerados isolados: “Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional.”
Essa terminologia veio substituir os termos depreciativos de índios bravos, selvagens, arredios, etc., usados até então para se referir àqueles que ainda estão afastados do convívio com a sociedade envolvente e do uso dos bens produzidos pela sociedade industrializada. Segundo os sertanistas da Funai são os que:
Continuam nus no seio da floresta, vivendo como seus antepassados da caça, pesca, coleta e agricultura de subsistência. Esses povos autóctones constituem-se em uma mostra viva, a mais próxima do que foi encontrado pelos descobridores do nosso país. Eles são os Índios Isolados do Brasil. [1]
Mesmo com o avanço da colonização, há ainda no Brasil muitos grupos vivendo nesse estágio. No sítio eletrônico da Funai encontra-se registrado que “o Departamento de Índios Isolados dispõe de 38 (trinta e oito) informações de lugares na Amazônia onde é possível a existência de índios isolados...:” [2].
Esses índios têm sido alvo de jornalistas, que gravam suas imagens para serem reproduzidas, comercializadas e exibidas no mundo todo, e de antropólogos para a elaboração de suas pesquisas. E, por estarem a maioria deles na região amazônica, têm sido usados como Lobby dos países mais ricos, para garantir preservação da floresta amazônica.
Com a proposta de “...garantir aos povos indígenas isolados o exercício de suas liberdades, de seus territórios, de suas atividades tradicionais e a proteção do seu meio ambiente.” [3], foi criado, em 1987, o Departamento de Índios Isolados da Funai - DII, hoje Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados - CGIIRC. Porém, pela postura de seus dirigentes, percebe-se que esse departamento surgiu muito mais orientado pelo “mito do índio isolado” e com objetivos antimissionários do que voltado para os interesses e para as necessidades dos indígenas. Ao seu idealizador e diretor, tem sido conferido títulos e méritos junto à Imprensa e à Comunidade Internacional, não obstante, às críticas dos antropólogos ao seu modelo de trabalho e às denúncias de algumas irregularidades praticadas por esse departamento junto a essas comunidades.[4]
QUAIS SÃO OS EFEITOS DO CONTATO COM OS GRUPOS ISOLADOS?
O argumento dos defensores do isolamento baseia-se no fato de que os índios isolados são vulneráveis às doenças viróticas tais como a gripe, o sarampo e outras que podem levar uma tribo inteira à extinção. Esse é um assunto inquestionável e tudo deve ser deve ser feito para evitar esse contágio e, caso aconteça, não medir esforços para ajudá-los a enfrentar tal situação. No entanto, o que é mais prejudicial ou benéfico para esses povos: o contato espontâneo, que resulta de encontros casuais com colonizadores, caçadores e exploradores de riquezas das florestas ou o contato programado, realizado pelas “frentes de atração”?
O contato espontâneo
A história nos revela que os primeiros contatos dos portugueses com os indígenas foram pacíficos. No entanto, a tentativa de escravizá-los, levou-os a fugir para o interior da selva em busca de proteção. As expedições armadas, enviadas para aprisioná-los e “amansá-los”, provocaram uma guerra desigual entre os dois povos, com resultados funestos. Segundo o escritor, Nilson Lages, inicialmente os Jesuítas se opunham a esse procedimento, mas em 1556, houve um acordo entre o padre Manuel da Nóbrega e o Governador Geral, Mem de Sá, para a dominação dos índios, cuja estratégia era “...negociar com as tribos até que houvesse condições militares de exterminá-las ou capturá-las.” [5]
Isso se deu com os Jurunas no Estado do Pará, levando-os a empreenderem constante migração, do rio Amazonas ao alto Xingu, onde foram contatados pelos irmãos Villas Boas em 1949, pois segundo Adélia Oliveira, “Entre os anos de 1662 e 1667, o capitão-mor de Gurupá, acompanhado de uma tropa, foi mandado pelo governador ao rio dos Juruna com o objetivo de apresar índios para depois escravizá-los...”[6]
Com os Waimiri-Atroari, José Porfírio F. Carvalho, declara que após a fixação de pequenas vilas próximas do seu território, o governador do Amazonas enviou tropas para pacificar os índios e proteger os castanheiros, seringueiros e outros coletores, quando”... devem ter morrido mais de 300 índios entre adultos, crianças e velhos.” Em 1879, como revide a um ataque dos índios à Vila de Moura, com a morte de dois moradores, nova expedição foi enviada e para a região, quando “... mais de 400 índios morreram alvos das balas dos colonizadores.” Ainda em 1905, novo ataque derrubou mais 283 índios e levou 18 deles presos para Manaus, na tentativa de amansá-los à força.[7]
Essa tendência perdurou até o início do século XX, pois ainda em 1907, o cientista Herman Von Ibering - Diretor do Museu Paulista, declarou que, sendo os índios “um empecilho para a colonização das regiões do Sertão que habitam, parece que não há outro meio de que se possa lançar mão, senão o seu extermínio”.[8]
Esses conflitos continuam acontecendo ainda em nossos dias, pois, na década de 1980 , um grupo de garimpeiros abriu fogo contra um grupo isolado no Sul do Pará, causando a morte de 14 índios. Também, na década de 1990, a imprensa relatou o massacre dos Yanomami em Roraima, resultado deconflito com garimpeiros. Os Corubo, um dos últimos grupos contatados pela FUNAI, já estavam em franco conflito com “madeireiros, caçadores e outros interessados na área.” e como resultado disso, “ocorreram mais de 200 mortes entre índios, madeireiros, ribeirinhos e caçadores...”, conforme matéria da Revista Manchete em 1996.[9]
As doenças viróticas, tais como a gripe, o sarampo, a varíola, etc., transmitidas no contato espontâneo, segundo os estudiosos foram a principal causa da dizimação desses povos. De acordo com Nilson Lages as mortes ocorridas por essa contaminação foram consideradas pelos colonizadores e governantes da época como simples resultado de que os americanos eram mais fracos do que os europeus. Mas, com o advento da ciência, entende-se hoje que a principal causa era a falta de anticorpos para resistir à doença.
Percebe-se então, que os resultados desses anos de contatos espontâneos foram tão dramáticos que a população indígena, calculada em cinco milhões na época do descobrimento, segundo Darcy Ribeiro, decresceu para menos de cem mil pessoas, em 1957.[10]
O contato programado
Uma nova página na história dos indígenas brasileiros começou a ser escrita, quando Governo, fundamentado nos ideais positivistas do Marechal Candido Rondon e na sua vasta experiência de atividades nos sertões, o estabeleceu o “Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, criado pelo Decreto n.º 8.072, de 20 de julho de 1910”. Nessa época, segundo Darcy Ribeiro,
O que se impunha era uma obra de proteção aos índios, de ação puramente social, destinada a ampará-los em suas necessidades, defende-los do extermínio e resguarda-los contra a opressão. (...) Pela primeira vez era estatuído, como princípio de lei, o respeito às tribos indígenas, como povos que tinham direito de ser eles próprios, de professar suas crenças, de viver segundo o único modo que sabiam fazê-lo aquele que aprenderam de seus pais e que só lentamente poderiam mudar. [11]
As “frentes de atração”, receberam a responsabilidade de promover o contato com os índios isolados e prepará-los para o encontro com a sociedade envolvente. Através de uma estratégia específica e seguindo o lema de Rondon: “morrer se for preciso, matar nunca”, propunham amenizar os efeitos do contato espontâneo, que porventura estivesse ocorrendo ou antecipar-se ele. Com o cuidado da saúde, a promoção de contatos pacíficos e controle de entradas de pessoas despreparadas nas terras indígenas, fez com que esses povos, que estavam em fase de extinção, voltasse a crescer. No entanto, nem todo o contato tem sido bem-sucedido e isso tem levado o defensores do “mito do índio isolado” a contestar o trabalho das frentes de atração.
MAS, POR QUE NEM TODOS OS CONTATOS TÊM SIDO BEM SUCEDIDOS?
Com base nos relatos dos contatos realizados até aqui, percebe-se que há vários fatores que têm contribuído para o insucesso desse empreendimento e que precisam ser corrigidos, tais como:
1. O contato efetivado tarde demais
Por causa dos conflitos já existentes, muitos dos índios isolados se tornaram hostis à aproximação de estranhos em seu território e, nessa luta pela preservação, muitas pessoas têm perdido suas vidas ou sido feridos durante o contato.
Em 1934, Xavantes, mataram a dupla de padres selesianos João Fuchs e Pedro Sacilotti que havia dois anos tentavam estabelecer contato pacífico com os índios. Em 1935, (...) foi encontrado morto um menino de 11 anos de idade, filho de um empregado de outra missão selesiana. (...) o Serviço de Proteção aos Índios (...) organizou, em 1941, a primeira expedição para tentar contato amistoso com os índios. Em novembro do mesmo ano, o chefe da expedição, Genésio Pimentel Barbosa, e cinco auxiliares, foram abatidos pelas bordunas dos xavantes. [12]
Também, na revista Atualidade Indígena - Julho / Agosto de 1981, encontra-se registrado que além de outras pessoas feridas e mortas durante o contato com os Arara do Pará, quatro servidores da Funai foram gravemente feridos, entre eles, os sertanistas Afonso Alves e João Carvalho e um índio Wai-Wai que participava da expedição. Mais recentemente com Corubos, a Revista Manchete, já citada,, afirma que morreram sete funcionários da Funai, desde 1975” e com os Waimiri Atroari, segundo José Porfírio, mais de 60 pessoas.[13]
Além do mais, as primeiras frentes de atração têm sido montadas como medida de emergência, quando as estradas de ferro, as linhas telegráficas e as rodovias cortavam os sertões ou quando o contato espontâneo já estava em andamento, como descreveu Shelton H. Davis e, Eduardo Viveiros de Castro, sobre os os Parakanân e Kré-Akaróre, Araweté, respectivamente,
Os primeiros contactos dos Parakanân com agentes da sociedade brasileira ocorreram no início da década de 50, quando trabalhadores da Rodovia do Tocantins começaram a derrubar um trecho de floresta em suas terras. Em 1953, o SPI interveio na área e fez a primeira tentativa de pacificar a tribo Parakanân. estabelecendo um posto indígena e colocando 190 índios sob sua proteção. Esses primeiros contactos tiveram um efeito devastador para a tribo Parakanãn. Apenas um ano após sua pacificação inicial, mais de 50 índios morreram de gripe, e os remanescentes da tribo Parakanân fugiram para a selva, fora do alcance do SPI..”
(...) Em 1970, o Governo brasileiro revelou que a nova Rodovia Transamazônica atravessaria o território dos Parakanân. No final de 1970. Agentes da FUNA1 tentaram pacificar e atrair a tribo Parakanân. Mais uma vez, essa expedição de pacificação foi desastrosa para a tribo. Imediatamente após sua pacificação 40 membros da tribo Parakanân foram atacados de gripe”[14]
A primeira tentativa de contato com a tribo ocorreu em 1967, quando um bando Krén-Akaróre foi visto perto da Base Aérea do Cachimbo. (...) O início da construção da Santarém-Cuiabá em 1971, deu o impulso final para o contato com a tribo (...) menos de um ano após a pacificação (...) os Krén-Akaróre estavam espalhados ao longo da rodovia Santarém-Cuiabá, confraternizando com os motoristas de caminhão e mendigando comida.” No espaço de um ano a população da tribo Krén-Akaróre havia sido reduzida de aproximadamente 300 para 135 pessoas. [15]
“-1969 - O caçador de peles (‘gateiro’) José Darwich, o ‘Zé do índio’, que operava no Jatobá e Ipixuna, estabelece relações amistosas com os Araweté e leva por duas vezes alguns rapazes do grupo até as margens do Xingu. Isto chama a atenção da Funai. (...) 1970 - Começam os trabalhos da frente de atração da funai, chefiada pelo sertanista Antônio Coutrim Soares. (...) “Maio de 1976 - O sertanista João E. de Carvalho assume a chefia da frente. Encontra, no dia 29 do 05 cerca de 50 índios (...) junto às roças dos Srs. Edílson e Antenor, camponeses que residiam num ilha em frente. Os índios rapidamente adoecem, vítimas de gripe e de conjuntivite infecciosa transmitida por um filho pequeno do Sr. Edílson, que ia regularmente visitar os Araweté em companhia de J. E. Carvalho.[16] (grifamos)
A primeira tentativa de contato com a tribo ocorreu em 1967, quando um bando Krén-Akaróre foi visto perto da Base Aérea do Cachimbo. (...) O início da construção da Santarém-Cuiabá em 1971, deu o impulso final para o contato com a tribo (...) menos de um ano após a pacificação (...) os Krén-Akaróre estavam espalhados ao longo da rodovia Santarém-Cuiabá, confraternizando com os motoristas de caminhão e mendigando comida.” No espaço de um ano a população da tribo Krén-Akaróre havia sido reduzida de aproximadamente 300 para 135 pessoas. [15]
“-1969 - O caçador de peles (‘gateiro’) José Darwich, o ‘Zé do índio’, que operava no Jatobá e Ipixuna, estabelece relações amistosas com os Araweté e leva por duas vezes alguns rapazes do grupo até as margens do Xingu. Isto chama a atenção da Funai. (...) 1970 - Começam os trabalhos da frente de atração da funai, chefiada pelo sertanista Antônio Coutrim Soares. (...) “Maio de 1976 - O sertanista João E. de Carvalho assume a chefia da frente. Encontra, no dia 29 do 05 cerca de 50 índios (...) junto às roças dos Srs. Edílson e Antenor, camponeses que residiam num ilha em frente. Os índios rapidamente adoecem, vítimas de gripe e de conjuntivite infecciosa transmitida por um filho pequeno do Sr. Edílson, que ia regularmente visitar os Araweté em companhia de J. E. Carvalho.[16] (grifamos)
Nota-se que nesses casos , quando o contato formal foi iniciado, os índios já estavam sendo afetados pelas doenças dos trabalhadores das estradas e dos colonos que moravam perto de suas terras ou foram contaminados no pós-contato devido à proximidade das aldeias com os projetos em execução. Se o contato programado tivesse antecipado ao contato espontâneo, certamente poderia ter sido evitado tamanha tragédia para esses povos e não teria morrido tanta gente antes e durante a sua execução.
2. A morosidade no atendimento da saúde dos índios
Infelizmente, grande parte dos servidores que atuam nas frentes de atração estão ali para garantir seu salário ou para ganhar fama diante da mídia e da opinião pública em geral e não desempenha devidamente o seu papel. Além do mais, a burocracia do órgão indigenista, dificulta o trabalho daqueles que realmente querem ajudar os índios. Shelton Davis (1978) menciona que o sertanista, Antônio Cotrim Soares, abandonou a Funai aborrecido com a falta de apoio e cita que numa epidemia de gripe na tribo Jandeavi “... ele enviara uma mensagem urgente à sede da Funai pedindo suprimentos e médicos, mas estes demoraram mais de 48 dias para chegar.
Outro funcionário da Funai, que participou de vários contatos também declarou que a tragédia resultante da epidemia de gripe e conjuntivite que vitimou os Araweté poderia ter sido evitada se não fosse a morosidade dos trabalhos, pois, como disse o sertanista Sidney Possuelo, “O grande problema é a falta de cuidado, né. Havendo antibiótico, da mesma forma que eles ficam rapidamente doentes, eles também recuperam rapidamente.”[17]
3. A falta de cuidado quanto à contaminação dos índios
Lamentavelmente, muitos servidores não tomam os devidos cuidados para evitar que os índios sejam contaminados e por isso as consequências tem sido funestas. Repetindo a informação já citada sobre os Araweté encontramos o seguinte:
2. A morosidade no atendimento da saúde dos índios
Infelizmente, grande parte dos servidores que atuam nas frentes de atração estão ali para garantir seu salário ou para ganhar fama diante da mídia e da opinião pública em geral e não desempenha devidamente o seu papel. Além do mais, a burocracia do órgão indigenista, dificulta o trabalho daqueles que realmente querem ajudar os índios. Shelton Davis (1978) menciona que o sertanista, Antônio Cotrim Soares, abandonou a Funai aborrecido com a falta de apoio e cita que numa epidemia de gripe na tribo Jandeavi “... ele enviara uma mensagem urgente à sede da Funai pedindo suprimentos e médicos, mas estes demoraram mais de 48 dias para chegar.
Outro funcionário da Funai, que participou de vários contatos também declarou que a tragédia resultante da epidemia de gripe e conjuntivite que vitimou os Araweté poderia ter sido evitada se não fosse a morosidade dos trabalhos, pois, como disse o sertanista Sidney Possuelo, “O grande problema é a falta de cuidado, né. Havendo antibiótico, da mesma forma que eles ficam rapidamente doentes, eles também recuperam rapidamente.”[17]
3. A falta de cuidado quanto à contaminação dos índios
Lamentavelmente, muitos servidores não tomam os devidos cuidados para evitar que os índios sejam contaminados e por isso as consequências tem sido funestas. Repetindo a informação já citada sobre os Araweté encontramos o seguinte:
Maio de 1976 - O sertanista João E. de Carvalho assume a chefia da frente. Encontra, no dia 29 do 05 cerca de 50 índios (...) junto às roças dos Srs. Edílson e Antenor, camponeses que residiam num ilha em frente. Os índios rapidamente adoecem, vítimas de gripe e de conjuntivite infecciosa transmitida por um filho pequeno do Sr. Edílson, que ia regularmente visitar os Araweté em companhia de J. E. Carvalho.[18] (grifamos)
Na matéria do Globo Repórter de 19 de maio de 1989, o jornalista Francisco José que acompanhou a equipe da Funai, na segunda visita os Zo’é, contatados em 1987 por membros da Missão Novas Tribos do Brasil, revelou essa falta de cuidado, pois os índios que estavam sendo bem cuidados pelos missionários, foram contaminados de gripe e conjuntivite, através da primeira equipe de sertanistas e jornalistas que ali estiveram quinze dias antes, como segue:
-- Na primeira missão da FUNAI os Poturu[19] estavam tão bem de saúde que até realizaram a dança do urubu para saudar os visitantes.) Pela avaliação médica feita na primeira missão (da Funai) o estado de saúde era muito bom. Mas nesta segunda visita eles foram encontrados muito doentes.
4. A introdução de costumes ofensivos à vida e à cultura indígena
Infelizmente, nem todas as pessoas que atuam em frentes de atração são devidamente preparados ou possuem um caráter digno de tal função. Muitos carregam consigo costumes, altamente prejudiciais aos índios, que são repassados para essas comunidades através do convívio, coisas inadmissíveis para pessoas consideradas defensoras dos índios, como descritas a seguir também sobre os Parakanân e Krén-Akaróre.
(...)Durante esses contatos iniciais, tem-se notícias de que trabalhadores da estrada deram presentes aos homens Parakanân e violentaram varias índias. Os relatos também davam conta de que agentes da Funai haviam praticado violências sexuais contra algumas mulheres da tribo. (...) Em suas investigações médicas, Madeiro descobriu que 35 índias e dois agentes da FUNAI tinham doenças venéreas...”[20]
...Os costumes da tribo desapareceram e o tabaco e álcool fazem parte de seus novos hábitos.[21] (grifo nosso) [22]
...Os costumes da tribo desapareceram e o tabaco e álcool fazem parte de seus novos hábitos.[21] (grifo nosso) [22]
Se todo o contato fosse assim, seria realmente uma tragédia. Mas, é importante separar o joio do trigo e reconhecer que existem homens sérios, lutando dignamente para promover a paz e o bem estar desses povos e muitos contatos têm sido bem sucedidos, graças à nova postura adotada pelo órgão federal e o trabalho realizado pelas missões evangélicas.
QUAL TEM SIDO O PAPEL DOS MISSIONÁRIOS NO CONTATO COM OS GRUPOS ISOLADOS?
Nos primeiros anos de colonização, os Jesuítas eram os únicos que se punham ao lado dos índios aprisionados e escravizados. Inclusive, o Pe. José de Anchieta chegou a aprender o idioma Tupi-Guarani escrevendo em, 1595, um trabalho conhecido como: “ A arte de Gramática”. Nos anos de 1557 a 1958, estiveram aqui os protestantes calvinistas que, na pessoa de Jean de Lery, procurou desenvolver atividades sociais e religiosas junto as grupos indígenas da costa brasileira, registrando cerca de 2.000 vocábulos de uma língua Tupi-Guarani.[23] Entre 1630 - 1654, foi a vez dos Holandeses que, além de sua ação religiosa, organizando algumas Igrejas com líderes indígenas como Pedro Poti e João Nhandui, tiveram também papel fundamental na área social, pois, “Desde o ano de 1641, dois professores índios estavam trabalhando ao lado dos obreiros espanhol, holandês e inglês”[24] Porém, foram expulsos pelos portugueses e, somente no século XX, as missões evangélicas de fato se instalaram entre os indígenas brasileiros.
Essas agências missionárias, vindo com uma visão social muito mais aberta do que o sistema catequético adotado até então pela Igreja católica, passaram a colaborar com o SPI na implantação da nova política indigenista, sendo convidados a participar das frentes de atração, cuja colaboração foi altamente positiva. É o que se vê no contato com os Paacas Novos, Yanomami, Zo’é, etc., onde se vê o zelo e a dedicação desses obreiros da justiça, cujos resultados refletem diretamente a ação de Deus em suas vidas e nas vidas dos indígenas por eles assistidos.
O contato com os Paacas Novos, foi realizado também numa época em que os índios estavam em conflito com os seringueiros e outros coletores da região. Por isso, atacavam a qualquer um que se aproximasse de seu território. Em um dos ataques, as flechas chegaram a atingir o chapéu de um deles, mas pela proteção de Deus ele não foi atingido. O testemunho de Da. Dolores Koop, que acompanhou seu marido Abraão nesse trabalho, demonstra a dedicação dos missionários e a ação de Deus nesse processo.
Foi um privilégio fazer parte da equipe, procurando fazer contato com os índios Pacaas Novos. Nunca vou esquecer (...) Era quase meia noite e eu estava dormindo, quando alguém bateu em minha porta. Quando abri a porta Abraão entrou e me entregou algumas flechas. (...) Ele disse que foram atacados pelos índios, mas ninguém ficou ferido. Que milagre! Outro milagre (foi) que os homens da Funai, que na época era do SPI, não atiraram nos índios. Depois de dois anos de trabalho o contato pacífico foi feito.
Da mesma forma aconteceu com um dos grupos Yanomami, povo guerreiro e acostumado a massacrar os seus inimigos, como se pode observar no testemunho de Da. Lídia Corenchuc, que também fez parte da equipe de contato.
... Com a base terminada. Em oração tiveram de Deus a certeza de ser aquele o momento para sair afim de terem o primeiro contato com os Yanomamy, que se encontravam nas cabeceiras do rio Marari. Era o ano de 1956. Com Paulo Corenchuc estavam mais dois missionários: Verner Barkler e o jovem Bing Hare e mais dois índios Yanomamy, já civilizados, ambos do Rio Guburi, que iriam ser os guias e intérpretes.
(...) Os três ficaram em oração e depois de longas horas de intercessão e espera, barulho na mata, coração ao disparando, respiração se alterando, aparecem dez índios totalmente nus, pintados de preto (...) Através dos intérpretes, explicou-se aos índios a razão da ida e presença dos missionários ali. Os Yanomamy demonstraram entender e disseram que queriam que os mesmos voltassem...” [25]
(...) Os três ficaram em oração e depois de longas horas de intercessão e espera, barulho na mata, coração ao disparando, respiração se alterando, aparecem dez índios totalmente nus, pintados de preto (...) Através dos intérpretes, explicou-se aos índios a razão da ida e presença dos missionários ali. Os Yanomamy demonstraram entender e disseram que queriam que os mesmos voltassem...” [25]
O último contato realizado por membros da MNTB, foi com os índios Zo’é, no norte do Pará. Orientados pela experiência dos seus antecessores, estabeleceram uma Base a cerca de 40 kms da aldeia mais próxima e de lá saíam na mata a fim de deixar presentes aos índios em demonstração de amizade. Não demorou muito para que os índios se aproximasse e estabelecessem eles mesmos um contato pacífico, conforme está registrado no relatório a seguir.
... enquanto estávamos limpando uma caça que havíamos apanhado, os índios apareceram. Eram dois homens e uma mulher que tentavam se comunicar por palavras e gestos. Foram trocados alguns presentes; demos uma parte da caça a eles, e retiraram-se pacificamente, embora esse encontro tenha ocorrido de forma inteiramente inopinada. Duas horas depois os índios apareceram no nosso acampamento na beira do Igarapé “dos Índios.
Novembro de 1987 chegou trazendo gratas surpresas. Um grupo de índios apareceu na base ficando por alguns dias apenas e retirando-se novamente. Nessa ocasião foram realizadas trocas de ferramentas que lhes seriam úteis, como terçados, enxadas, machados e outras coisas. Alguns estavam doentes com febre alta, dor de cabeça e no abdome, recebendo, dos missionários, as primeiras medicações.” [26]
O fato desses contatos terem ocorrido pacificamente tem uma explicação que muitos não entendem ou não quer entender. Ao contrário da maioria dos servidores, os missionários não estão ali para ganhar um bom salário e obter fama, pois são muitas vezes perseguidos e caluniados pelos opositores da pregação do Evangelho. O que move suas vidas é o amor de Deus pelos indígenas e o que norteia suas ações são os princípios da Palavra de Deus que os ensina a amar e a respeitar o próximo. Somente pessoas de caráter aprovado por Deus e pelos homens são recomendados a participar de tão importante tarefa. E, acima de tudo, seguem na dependência de Deus, que os protege e dirige todos os seus passos.
No caso dos Zo’é, logo após os primeiros contatos, os missionários faziam revezamento de aldeia em aldeia para tratar a malária que já assolava os índios e a gripe, contraída só depois de um ano desse relacionamento e quando estavam em condições de atendê-los adequadamente. Assim, a população que estava em processo de extinção antes da chegada deles, cresceu de 119 pessoas para 136 em 04 anos, graças à dedicação dessas pessoas, como atestou o primeiro médico da Funai, que visitou a tribo em 1989.
No dia 22.02.89, nos deslocamos para Santarém com a finalidade de fazer um levantamento das condições da assistência prestada pela Missão Novas Tribos do Brasil aos índios (...) Examinamos todos os índios que estavam na missão e concluímos que todos estavam em regular estado de saúde; alegres, dispostos, brincalhões. (...) Achamos que o trabalho que vem sendo realizado pela missão é muito sério e que eles merecem um reconhecimento pelo amor e dedicação que têm para com os índios. (grifo nosso)[27]
Não obstante a todos os problemas enfrentados pelas frentes de atração, os resultados ainda têm sido positivos e a população indígena que estava sendo extinta, devido aos conflitos e as doenças decorrentes do contato espontâneo, retomou o seu crescimento ao contrário do que vinha ocorrendo ao longo do tempo. Dessa forma, o número de indígenas que, segundo alguns dados estatísticos, havia decrescido de 5 milhões para 99.700 pessoas em 1957, retomou o seu crescimento e hoje, segundo dados do IBGE, são mais de 800.000, um crescimento médio de quase 800 % num período de 60 anos. No entanto, a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai tem adotado a estratégia de não mais efetivar o contato, a não ser que esses índios estejam “seriamente” ameaçados o que poderá ser tarde demais para muitos desses grupos ainda isolados.
MAS, OS ÍNDIOS ISOLADOS ESTÃO REALEMNTE PROTEGIDOS?
Surpreendentemente, um Procurador da República, ao impetrar um “Mandado de Segurança” contra a Presidência da Funai sob a acusação de omissão em proteger uma área indígena, fez a seguinte declaração: “Índios isolados são populações equilibradas que deixadas em paz, sem interferências, tem perpetuada a sua existência. A vida dos índios isolados está melhor acautelada se mantido o isolamento, ao invés de mantido o contato.” [28]
É provável que o nobre Procurador não tenha lido os trabalhos de renomados antropólogos como, Darcy Ribeiro, Carlos A. Moreira Neto, Charles Wagley, cuja obras revelam que os índios isolados não estão isentos de influências de outras civilizações e nem imunes às doenças contagiosas, como se pode observar em suas declarações a seguir.
É improvável que subsista hoje um só grupo inteiramente indene de influências da civilização, pois mesmo aqueles ainda não alcançados pela sociedade nacional já sofreram sua influência indireta, através de tribos desalojadas e lançadas sobre eles e de bacilos, vírus ou artefatos que, passando de tribo a tribo, alcançaram seus redutos. [29]
Também as comunidades de índios tribais sofreram problemas de natureza semelhante, agravados pela rápida disseminação da varíola e outras enfermidades por Cabanos e outros refugiados nas matas e que contaminaram grupos muitos distanciados das áreas de ocupação nacional." [30]
Além disso, um grupo indígena, tal como os Tapirapé, não carecia entrar em contato direto com os ocidentais para adquirir tais doenças; muitas vezes, foram infectados através de contatos casuais com outros grupos indígenas, que já tinham sido anteriormente infectados. Isto ocorreu, provavelmente, com os Tapirapé: ficaram expostos a novas doenças, antes mesmo do contato direto com a civilização." (Grifo nosso) [31]
Também as comunidades de índios tribais sofreram problemas de natureza semelhante, agravados pela rápida disseminação da varíola e outras enfermidades por Cabanos e outros refugiados nas matas e que contaminaram grupos muitos distanciados das áreas de ocupação nacional." [30]
Além disso, um grupo indígena, tal como os Tapirapé, não carecia entrar em contato direto com os ocidentais para adquirir tais doenças; muitas vezes, foram infectados através de contatos casuais com outros grupos indígenas, que já tinham sido anteriormente infectados. Isto ocorreu, provavelmente, com os Tapirapé: ficaram expostos a novas doenças, antes mesmo do contato direto com a civilização." (Grifo nosso) [31]
Com o avanço da colonização e as incursões de castanheiros, seringueiros, caçadores e garimpeiros nas selvas brasileiras, dificilmente iremos encontrar um grupo de índios que não teve nenhum contato com elementos de nossa civilização ou com outros grupos indígenas já contatados.
Na revista “Brasil Indígena”, publicada pela Funai, o jornalista, Mário Moura, revela que os Yanomami, tiveram contatos esporádicos com elementos da sociedade envolvente dezenas de anos antes do contato formal com as missões religiosas e com o órgão SPI. Segundo ele:
Na revista “Brasil Indígena”, publicada pela Funai, o jornalista, Mário Moura, revela que os Yanomami, tiveram contatos esporádicos com elementos da sociedade envolvente dezenas de anos antes do contato formal com as missões religiosas e com o órgão SPI. Segundo ele:
Datam de 1787 os primeiros sinais de presença dos Yanomami nas regiões onde ainda hoje se encontram.” E só, “A partir de 1950 (...) começam a ser instaladas na área as primeiras missões protestantes e católicas e, os primeiros postos do então SPI. [32]
Também os Zo’é, mesmo vivendo numa das regiões mais distantes e de difícil acesso, devido às inúmeras cachoeiras existentes naquele rio, mantinham encontros casuais com caçadores, coletores e exploradores dos rios Cuminapanema e Erepecuru, conforme os relatados transcritos a seguir e os escrito dos antropólogos Dominique Tilkin Gallois e Luís Donizete Benzi Grupioni:
• O Sr. Virgílio, velho mateiro residente na cidade de Oriximiná, nos relatou que no ano de 1956 subiu o rio Erepecuru, ou Paru do Oeste, e encontrou um grupo indígena: ‘Eram índios claros e que tinham como peculiaridade um enfeite de pau enfiado no lábio inferior. Chegamos a gritar para eles, que estavam acampados. Os índios correram e, depois de examinarmos o acampamento, fomos embora’. (...)
• O Sr. Raimundo Arnolfo, residente na cidade de Alenquer, nos contou que o igarapé conhecido como “igarapé dos Indios”, afluente da margem direita do rio Cuminapanema, é assim chamado exatamente porque sabe-se há muito da existência de um grupo indígena em seus arredores; que ele entrou muitas vezes naquele igarapé e, achando vestígios claros e recentes dos índios, retomou. O Sr. Raimundo ficou acampado na bifurcação de um igarapé, que chamou de “Encruzo”, conhecido pelos zo’é como Sarapejuk, distante da aldeia Ki’eporohu aproximadamente duas horas a pé. (Grifamos)
Em 1975, Chaves coordenava uma equipe do IDESP que realizava mapeamento e pesquisa mineral para o projeto Curuá-Cuminapanema (...) encontrou uma clareira que poderia ser usada para pouso. Ao aproximar, descobriram que se tratava de uma aldeia, com três casas grandes...[33]
... mesmo que tenham estabelecido, por sua própria iniciativa, relações de convivência permanente com o posto assistencial há apenas sete anos, os Zo’é já haviam experimentado contatos ocasionais com castanheiros e caçadores de pele há pelo menos 50 anos.[34]
• O Sr. Raimundo Arnolfo, residente na cidade de Alenquer, nos contou que o igarapé conhecido como “igarapé dos Indios”, afluente da margem direita do rio Cuminapanema, é assim chamado exatamente porque sabe-se há muito da existência de um grupo indígena em seus arredores; que ele entrou muitas vezes naquele igarapé e, achando vestígios claros e recentes dos índios, retomou. O Sr. Raimundo ficou acampado na bifurcação de um igarapé, que chamou de “Encruzo”, conhecido pelos zo’é como Sarapejuk, distante da aldeia Ki’eporohu aproximadamente duas horas a pé. (Grifamos)
Em 1975, Chaves coordenava uma equipe do IDESP que realizava mapeamento e pesquisa mineral para o projeto Curuá-Cuminapanema (...) encontrou uma clareira que poderia ser usada para pouso. Ao aproximar, descobriram que se tratava de uma aldeia, com três casas grandes...[33]
... mesmo que tenham estabelecido, por sua própria iniciativa, relações de convivência permanente com o posto assistencial há apenas sete anos, os Zo’é já haviam experimentado contatos ocasionais com castanheiros e caçadores de pele há pelo menos 50 anos.[34]
Provavelmente foi em decorrência desses contatos casuais, que os Zo’é contraíram malária e, quando contatado formalmente, esse grupo já estava num processo de extinção e sua população, reduzida a apenas 119 pessoas. O mesmo deve ter acontecido com os Corubo, pois o jornal, O Estado de São de 19/06/98, registrou que no primeiro contato os sertanista detectaram que: “Um menino está com malária e uma menina, com suspeita.”
Diante disso, percebe-se um tremendo paradoxo na política de proteção aos isolados, adotada pela Funai. Conforme matéria do jornal, “Correio Brasiliense” de 31 de outubro de 1999, o sertanista Sidney Possuelo entrava de três em três meses na mata para identificar novos povos indígenas e teria colocado“... equipes em pontos estratégicos da mata, próximo dos locais onde desconfiava da presença de nativos, mas proibiu-as de fazer contato.” Também disse que os nativos os “... vêem na mata, ou se aproximam de algum posto da Funai”. Se essas pessoas são vistas pelos índios e estes se aproximam de algum posto, não estarão eles sendo contatados e correndo o risco de ser contaminados por algum vírus do “homem branco”? Se apenas chegam perto, mas não lhes dão a assistência médica necessária ao pós-contato, terão os indígenas condições de sobreviver se forem infectados por essas doenças?
E as guerras intertribais?
Outra causa de instabilidade de grupos isolados é a ocorrência de guerras intertribais. Desde os primórdios da humanidade, os povos lutam por espaço físico e pelo poder sobre outros e com os indígenas não tem sido diferente.
O antropólogo Carlos Moreira Neto, no livro acima citado, sobre os índios e a ocupação da Amazônia, faz referência a vários povos indígenas que foram eliminados por grupos rivais. Entre eles se encontra os Tapajós, na região onde hoje se localiza a cidade de Santarém no Estado do Pará, que foram dizimados pelas guerras com os Mundurucu e os Kayapó.
Os poucos registros sobre os Xipaya e Kuruaya, nos rios Iriri e Kuruá, no Oeste do Pará e as narrativas orais de seus remanescentes dão conta de que, no final do século XIX estavam também sendo dizimados pelos Kayapó. Poém, não foram totalmente eliminados porque se misturaram com os seringueiros que ali chagaram, conforme registrou Marlinda Melo Patrício, em sua dissertação de mestrado:
Para se ter uma idéia, antes da chegada do colonizador a região do Iriri-Curuá era um lugar de grandes conflitos intertribais. Os Kaiapó, em seu movimento de expansão, eliminavam as outras etnias menos belicosas que iam sendo encontradas em seu caminho ou defrontavam-se em lutas sangrentas com os que resistiam ao avanço. Em todos os relatos que ouvi falavam ‘do medo da brabeza e que as maldades eram grandes, os Kaiapó botavam todos para fora, a vida deles era roubar e matar. Mataram minha tia, roubaram o menino irmão dela, por.causa disso o índio veio no meio do cristão” (entrevista realizada em out/99). [35]
Já no século XVI, Jean de Léry, um dos primeiros protestantes envidados ao Brasil em 1557, convivendo com os indígenas por cerca de dois anos, deixou registrado em seu livro “ Viagem à Terra do Brasil” e publicado em 1578, a seguinte relato sobre as guerras intertribais, bem no início da colonização do país.
Os nossos tupinambás tupiniquins seguem o costume de todos os selvagens que habitam esta quarta parte do mundo, que se estende por mais de duas mil léguas desde o estreito de Magalhães, a cinquenta graus na direção do Pólo Ártico. Sustentam uma guerra sem tréguas contra várias nações dêsse pais porém seus mais encarniçados inimigos são os indígenas chamados margaiá (...) Os selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns aos outros, porquanto sobejam terras para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se com os despojos dos vencidos ou o resgate dos prisioneiros. Nada disso os move. Confessam êles próprios serem impelidos por outro motivo: o de vingar pais e amigos presos e comidos, no passado... [36]
Sendo os indígenas impelidos a entrar em guerra, para vingar seus antepassados mortos e comidos por eles, certamente tratava-se de um costume milenar, muito comum entre povos primordiais. Isso é coerente com a informação dada por Manuel Diegues Junior sobre a origem dos grupos indígenas brasileiros. Segundo ele, os Aruaques, que predominaram a região “...usavam extinguir os grupos inimigos, matando os homens e incorporando as mulheres dos vencidos ao seu grupo ”.[37]
Esses era também o costume do povo Yanomami, que, em vingança pela morte de algum parente, atacavam outras aldeias, quando matavam os homens e raptavam as mulheres e crianças. Somente depois do contato definitivo e o relacionamento amistoso com os é que essas guerras foram aplacadas. Também os Zo’é relatam experiências de confronto no passado com um grupo chamado Tapu’ãi, que provocou enormes baixas ao seu povo. Ainda hoje, quando vêem qualquer vestígio estranho na mata, temem ser os Tapu’ãi que estão vindo para lhes atacar. Outra experiência relatada por eles refere-se a um povo canibal chamado, Apãm, que também vitimou os seus antepassados.
PODEM OS GRUPOS MINORITÁRIOS SOBREVIVER NO ISOLAMENTO?
O antropólogo e pesquisador Tomhas N. Headland [38] apresenta um resumo de cinco estudos científicos de renomados pesquisadores, que comprovam a tese da inviabilidade de grupos de baixa população, manterem-se isolados. Com isso, conclui que grupos com população abaixo de 200 (duzentas) pessoas não podem sobreviver sem cair no incesto ou entrar na exogamia, levando o grupo à extinção.
Headland também apresenta estudos de duas maiores referências germânicas: Michael S. Alvard (1973), o qual demonstra que os povos chamados “primitivos” não vivem em harmonia com o ambiente como pressupõe a teoria do neo-funcionalismo; e Jared Diamond (1993), que mostra o caso de uma população que, após chegar a apenas 400 pessoas, não tinham mais condições de sobreviver por problemas genéticos devido a casamentos com parentes muito próximos.
O argumento de que o índio deixado em paz sem interferência tem perpetuado a sua existência, segundo Headlande, é uma falsa proposição, pois é um argumento tautológico, que se baseia apenas nos grupos ainda vivos, esquecendo-se dos que foram extintos, com ou sem contato.
Além do mais, o censo populacional dos Zo´é, Araras do Pará, Araweté, Parakanân e outros grupos contatados nos últimos anos, refletem esses dados, pois todos eles tinham uma população abaixo de 200 pessoas. Situação mais grave é a dos Avá-Canoeiro, na reserva, Serra da Mesa, em Goiás, contando apenas 06 indivíduos e os dois homens, remanescentes de uma tribo Tupi-Guarani, contatados a pouco tempo e levados para morar junto dos Guajá no Maranhão. Também, o Correio Brasiliense de outubro de 1999 apresentou matéria citando um levantamento feito pela Funai, o qual “... mostra que há pelo menos 890 índios isolados, nome dado aos que nunca tiveram contato com a civilização, instalados em cinquenta pontos da Amazônia...”, (Grifo nosso), média de 17 pessoas por grupo identificado. Se os índios isolados estivessem protegidos, não seria mais lógico encontrar uma grande população ao invés desses pequenos grupos lutando para sobreviver?
QUEREM OS INDÍGENAS VIVER NO ISOLAMENTO?
Uma das maiores afrontas aos índios é a tendência que certas pessoas e entidades têm de impor a eles o seu destino, como se fossem pessoas incapazes. A idéia do isolamento é uma delas, pois não é levada em conta o que os índios pensam sobre o assunto. Mas quem deu a essas pessoas o título de semi-deuses para determinar o que os índios devem ou não fazer?
Numa matéria exibida pelo programa “Fantástico”, da Rede Globo, sobre os índios isolados, por ocasião dos 500 anos do Brasil, quando pregavam isolamento e a proibição do ensino da Bíblia nas aldeias, um índio terena declarou indignado: “Aonde fica a palavra do índio nessa história? Quem deu a essas pessoas a autoridade de falar em nosso nome?
Também o jornal, “Correio Brasiliense”, de 12 de março de 2002, numa entrevista com, Jeremias Pinita’awe Tsibodowapré, da tribo Xavante, assim declarou: “ Jeremias admite que viver na cidade é um risco para as tradições. ‘Mas ficar na aldeia com arco e flecha é utopia. (...) Nós queremos melhorar o nosso padrão de vida, e estamos preparando a nova geração para o futuro.”
Como são poucos os que podem se manifestar, é necessário lançar mão das palavras de alguns sertanistas e antropólogos que procuram repassar o pensamento daqueles que ainda não podem se expressar, como é o caso dos índios isolados. O sertanista e ex-presidente da FUNAI, Apoena Meireles, que atuou em várias frentes de atração, declara como muita convicção:
Costumeiramente se diz que o índio em estado primitivo está feliz. Não é bem assim. É preciso muita falta de visão e sensibilidade para se afirmar que a sociedade primitiva deseja permanecer estável”
É bom esclarecer que a partir do momento em que ela se aproxima dos civilizados, à procura de um machado ou de um facão, se manifesta a vontade de encontrar outros meios para desenvolver. (...) Eles aceitam o nosso contato porque estamos oferecendo, realmente, uma opção, um meio de vida melhor. [39]
É bom esclarecer que a partir do momento em que ela se aproxima dos civilizados, à procura de um machado ou de um facão, se manifesta a vontade de encontrar outros meios para desenvolver. (...) Eles aceitam o nosso contato porque estamos oferecendo, realmente, uma opção, um meio de vida melhor. [39]
Até mesmo alguns antropólogos como Dominique Gallois, que defendiam o isolamento, hoje afirmam que os índios não querem mais continuar nesse estado:
A MNTB, e depois a Funai, promoveram intervenções cujo objetivo declarado era garantir e preservar o “isolamento” desta etnia. Uma decisão unilateral, que contrasta com o interesse dos Zo’é em ter acesso ao mundo exterior, em ritmo e segundo categorias de entendimento próprias. Desde que optaram por estabelecer relações de convívio permanente com os brancos em 1987, os Zo’é manifestam uma curiosidade crescente em desvendar e controlar o mundo à sua volta: desejam maior contato com os brancos, querem mais objetos, querem visitar a cidade, querem conhecer outros índios.[40]
Muitos grupos indígenas consideram ser eles próprios os agentes do contato e até possuem o conceito de terem amansado os “brancos”. Portanto, isolar o índio que gostaria de se integrar é desumanidade. É uma forma segregacionista, arbitrária e etnocêntrica, tão ofensiva quanto a integração forçada, hoje condenada pelos isolacionistas.
ATÉ QUANDO VIVERÃO NO ISOLAMENTO?
Considerando que o Estatuto do Índio defina como índios isolados apenas aqueles que não têm nenhum contato ou apenas “contatos eventuais com elementos da comunhão nacional”, criou-se posteriormente a categoria de “índios recém contatados” para abrigar os vários grupos indígenas tais como os Zo’é, os Matis, os Awá Guajá, os Araweté e outros, cerca de 30 anos ou mais de contato regular com a sociedade nacional e até internacional, que adentram livremente em suas terras. No entanto, percebe-se que esse pseudo isolamento é apenas uma fachada, pois jornalistas e pesquisadores de todo o mundo entram frequentemente nessas áreas, gravam, reproduzem e vendem suas imagens e introduzem uma série de costumes exógenos à cultura local, como aconteceu também no Parque Nacional do Xingu, criado pelos irmãos Villas Boas.
Outros grupos contatados há muito mais tempo como Yanomami, Ihupdê, Arara da Cachoeira Seca, dentre outros que, por razões alheias à vontade indígena, passaram a ser também considerados de recente contato e suas terras restritas a entrada de pessoas que não pactuam com a ideologia vigente. Mas ao que parece, não há nenhum critério legal que determina quais grupos devem ser considerados “recém contatados” e nem tampouco até quando permanecerão nessa categoria.
Diante do exposto, percebe-se que esse pseudo isolamento proposto, tanto para os índios ainda isolados como para os “recém contatados” não visa simplesmente proteger os índios e sim defender uma ideologia preconceituosa e interesseira por parte de várias organizações não governamentais que representam interesses internacionais infiltradas no órgão tutelar brasileiro. Urge então que essa política pública sobre os isolados e “recém contatados” seja devidamente avaliada e reformulada para que esses indígenas não sejam privados de seus direitos constitucionais, sem, contudo, serem forçados ao contato com a sociedade envolvente e da mesma forma ao “não contato”, em detrimento da vontade de cada comunidade envolvida.
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TEMAS RELACIONADOS
Índios isolados: é hora de rever a política do não contato?
http://opiniaoenoticia.com.br/brasil/indios-isolados-e-hora-de-rever-politica-do-nao-contato/
Protecting isolated tribes
http://science.sciencemag.org/content/348/6239/1061.full
Isolados por opção
- http://istoe.com.br/122961_ISOLADOS+POR+OPCAO/ (?)
[1] www.indiosisolados.org.br/ março de 2003
[2] ibdem
[3] www.indiosisolados.org.br/ março de 2003
[4] Ofício 208/00-JB e 209/00 de 14 de junho de 2.000 – Denúncia feita pelo Deputado Federal, Josué Bengtson, ao Ministério Público Federal e ao Ministério da Justiça, sobre o grande fluxo de estrangeiro nas aldeias Zo’é.
[5] Nilson Lages. Os grandes enigmas de nossa história.Otto Pierre Editores, R. Janeiro, 1982
[6] Adélia Egrácia de Oliveira. Os Índios Juruna do Alto Xingu. In: Dédalo ano VI, n.º 11-12, junho- dezembro 1970, São Paulo, Museu da USP, 1970, pp. 15-43
[7] José Porfírio F de Carvalho. Waimiri Atroari a história que ainda não foi contada. Brasília, J.P.F.C.,1982.
[8] Darcy Ribeiro. A Política Indigenista Brasileira. Rio de Janeiro, Edições SAI, 1962
[9] Revista Manchete, 02 de novembro de 1996
[10] Darcy Ribeiro. Os Índios e a Civilização, 5ed. Petrópolis, E. Vozes, 1986, p.240).
[11] Darcy Ribeiro, 1962 (op.cit.)
[12] Correio Brasiliense, 13 de abril de 2003.
[13] José Porfírio F de Carvalho. Waimiri Atroari a história que ainda não foi contada. Brasília, J.P.F.C.,1982.
[14] Shelton H. Davis. Vítimas do Milagre: O desenvolvimento e os índios. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978, pp.89-104.
[15] Davis, 1978 (op. cit.)
[16] Eduardo Viveiros de Castro. Araweté - O povo do Ipixuna. São Paulo, CEDI, 1992, pp. 177.
[17] Globo Repórter”, 17 de maio de 1989 referente ao contato com o povo Zo’é no Pará.
[18] Eduardo Viveiros de Castro. Araweté - O povo do Ipixuna. São Paulo, CEDI, 1992, pp. 177.
[19] Nome dado anteriormente a esse grupo, por usar um adorno labial feito de uma madeira com esse nome.
[20] Shelton H. Davis. Vítimas do Milagre: O desenvolvimento e os índios. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978, pp.93
[21] O Estado de São Paulo de 06/01/73 (apud Davis, 1978)
[22] [22] Shelton H. Davis. Vítimas do Milagre: O desenvolvimento e os índios. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978, pp.100
[23] Jean de Lery, 1578 (op. cit.)
[24] Francisco Leonardo Schalkwijk. Índios do Brasil. In: Fides Reformata. Janeiro -junho de 199, pp. 39-58
[25] Huthe A. Tarker. “…Até os Confins da Terra”. São Paulo, 1986, E. Vida Nova
[26] Relatório do Trabalho Missionário Zo’é (Poturu) – Equipe da MNTB, Santarém, 1993
[27] Dr. Lauro Moreira Faro. Relatório, (à Funai), Belém, 02/03/89.
[28] Dr. Humberto Jaques de Medeiros. Mandado de Segurança. Ministério Público Federal, Brasília, 1998, pp. 12
[29] Darcy Ribeiro. Os Índios e a Civilização, 5ed. Petrópolis, E. Vozes, 1986, p.240).
[30] Carlos de Araújo Moreira Neto. Índios da Amazônia, de maioria a minoria. (1750-1850), Petrópolis, E.Vozes 1988, pp.99.
[31] WAGLEY, Charles. Lágrimas de Boas Vindas, Editora da Universidade de São Paulo, 1988, pp. 60.
[32] Mauro Moura. Brasil Indígena. Ano I, N.º 04 – Brasília/DF, Mai-Jun/2001
[33] Dominique T. Gallois e Luís Donizete 13. Grupioni, Aconteceu Especial 18, Povos Indígenas no Brasil 1987/88/89/90. São Paulo: CEDI, 1991, p.210)
[34] www.socioambiental.org.br, agosto de 1997
[35] Marlinda Melo Patrício. Índios de Verdade. O caso dos Xipaia e Curuaia em Altamira –Pará. UFPa, Belém, 2000, pp.57
[36] Jean de Léry.Viagem à terra do Brasil (1578). São Paulo, Livraria Martins Editora, [s.d.] 3ed. pp. 165
[37] Manuel Diegues Junior, Etnias e culturas no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977, pp. 54
[38] Tomhas N. Headland. Five biblio references on the viability of small populations, E. U. A., 1998
[39] MEIRELES, Apoena. Revista Atualidade Indígena ano III no. 18, set/out. de 79
[40] Dominique T. Gallois. www.socioambiental.org.br . agosto de 1997