Inveja
Em Machado de Assis (1839-1908), no seu poema “Círculo vicioso”, há uma analogia sobre um sentimento, aquele que representa nosso desejo de querer ser outro, de ter o brilho alheio, no que demonstra a existência de uma debilidade presente no espírito humano: a inveja.
“Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
“Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme...”
O olhar de inveja enxerga no outro, características e estados de coisas que poderiam lhe pertencer, valores que acresceriam a si encantos ou substâncias que não as possui, o que resulta numa instabilidade de emoção, a produzir insatisfação.
“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”
Mas a lua, fitando o sol com azedume...”
O ressentimento aparece sempre, é como se as virtudes do outro não lhe fosse própria, seriam daquele que deseja e de tal modo isso é fato que inexiste sentimento de culpa do desejante. É uma espécie de processo de autoengano, o desejante piamente acredita na legitimidade dos valores como próprios para si.
“Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!
Mas o sol, inclinando a rútila capela...”
No “Círculo Vicioso” de Machado, há qualquer coisa de mero encantamento dos desejantes, não se manifestam em momento algum a vontade de anular, no caso, de apagar o brilho dos outros, o que corresponde a uma inveja desprovida de maldade.
“Pesa-me esta brilhante auréola de nume…
Enfara-me esta luz e desmedida umbela…
Por que não nasci eu um simples vagalume?”
Fecha-se o círculo da inveja com a presença dos três elementos significantes: aquele que deseja, o que é invejado e o bem desejado, (na poética de Machado, a luz do outro). Em Machado, temos uma forma saudável de inveja. Não há um desejo negativo nos desejantes (vagalume – estrela – lua – sol). O bem cobiçado compõe apenas a inveja mimética, inveja que motiva o desejo de imitar os outros através do interesse de um bem que não lhe é próprio.