CHICO ENTRE DOIS MUNDOS DE RICARDO

CHICO ENTRE DOIS MUNDOS DE RICARDO

No Dia do Trabalhador, de 1969, o inspetor de polícia Mário Borges, às nove e meia da noite, apresentou a atriz Norma Bengell no Departamento de Ordem Política e Social - DOPS, vinculado à Secretaria de Segurança Pública. Vítima de sequestro por três homens dentro do teatro onde encenava a peça “Cordélia Brasil”, de Antônio Bivar, Bengell, naquele ano seria submetida a cinco horas de interrogatório no 1º Batalhão Policial do Exército. Os militares queriam informações sobre “a subversão na classe teatral”.

Em 1969, aos militares já não bastava a retirada das liberdades individuais promovida pelo Ato Institucional 5. Instalados no poder desde 1964, através do Golpe de Estado com o qual retiraram da presidência da República, João Goulart, eles quiseram muito mais que suspensão da garantia de qualquer direito assegurados pela Constituição. Através do Decreto 898, em setembro, impuseram nova versão àquilo que era antes entendido como defesa da Segurança Nacional. Passaram a enxergar, como inimigos do País, brasileiros que desenvolvessem qualquer tipo de ação “nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos” contrários aos objetivos nacionais que eles próprios estabeleciam. Assim, tornaram tortura, instrumento de Estado, usado contra opositores, em qualquer campo: operário, intelectual, estudantil, religiosa, artístico. Enquanto cassavam mandatos e determinavam intervenções em estados e municípios administrados por governantes eleitos.

No DOPS carioca, Mário Borges alegou que encontrou Norma Bengell numa “diligência” feita com objetivo de “apreender material subversivo” no apartamento do estudante de Psicologia, Ricardo Vilas Boas, à Avenida Epitácio Pessoa, 842. Lá eles encontraram fita da trilha sonora da peça ‘O Assalto’, alguns livros e papéis. Sua presença naquele local, Bengell justificou com a necessidade de falar com Leontil Lara, funcionário do Teatro Ipanema, que ali também morava.

Ali havia trilha sonora porque Ricardo, embora com apenas 20 anos de idade, era um artista experiente da música popular brasileira. Que desde os 16, se apresentava ao lado de Edu Lobo. No Festival da Record, de 1967, que Edu venceu com “Ponteio”, Ricardo cantou junto com seu antigo parceiro, e com Marília Medalha, como integrante do Momento 4, grupo vocal de apoio, naquela apresentação, do qual faziam parte Zé Rodrix, e, dois futuros membros do Boca Livre - David Tygel e Maurício Maestro.

Ricardo foi preso, ao lado da líder estudantil Maria Augusta Carneiro, ainda em 1969. Ambos membros da Dissidência da Guanabara, pequena organização armada de oposição clandestina. Também com ela, no meio de uma dezena e meia de presos políticos, foram trocados (e banidos do Brasil), pelo embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, sequestrado por outros membros da luta armada.

Nem Caetano Veloso, nem Chico Buarque enveredaram pela resistência armada à opressão ditatorial, embora atingidos duramente por ela, através do cerceamento da liberdade de criação e expressão, imposto pela Censura Federal. E, no caso, de Caetano Velos, até por meio de prisão e saída compulsória do Brasil, a que terminou igualmente sendo levado Chico. Um exilando-se na Inglaterra, outro se instalando na Itália.

Mas Chico expôs-se ao risco de guardar em sua casa muitos bilhetes deixados em seu portão por Zuzu Angel, com relatos da morte sob torturas de seu filho, Stuart Angel, aluno de Economia da UFRJ, na Base Aérea do Galeão, depois que ele aderiu à resistência armada.

E Caetano se comprometeu a dar apoio logístico – sem concretizá-lo porque também foi preso à sua colega na Faculdade de Filosofia, em Salvador, Maria de Lourdes Rego Melo, que, em São Paulo, havia se tornado guerrilheira do grupo de Carlos Marighella.

Ricardo, como Bengell, forçados, foram para a França. Bengell sedimentou sua carreira internacional, a que havia sido lançada com a conquista da Palma de Ouro, em Cannes, de “O Pagador de Promessas”, em que atuou. Ricardo uniu-se à Teca Calazans, e, formou um duo que durante dez anos atuou no cenário artístico europeu. Gravou os LPs "Musiques et chantes du Brésil", "Caminho das águas", "Cadê o povo?", "Desafio de viola", e, "Jardin exotique".

(autor: OSWALDO COIMBRA, by FACEBOOK / reprodução autorizada pelo Autor, EM 29/ABRIL 2020)