Recife

Alexandre Santos *

Daqui a 17 anos (precisamente em 12 de março de 2037), o Recife completará 500 anos de existência, um período vivido intensamente em trajetória pontilhada dos marcos que fazem a grandeza dos lugares e das coisas, o quê lhe deu destaque em todos os quesitos.

Vindo da praia, o Recife cresceu seguindo a rota dos ventos e, em desafio às águas, charcos e pântanos, lançou mão da engenharia e do trabalho duro, se enchendo de pontes, palafitas e aterros que criaram novas terras firmes para completar a obra de Deus e dar-lhe novos lugares de moradia e função. Ultrapassando rios, canais e mangues, o Recife se espalhou pelo estuário e subiu os morros de Casa Amarela e do Ibura, emendando a urbe com as cidades vizinhas até chegar ao formato pleno dos dias de hoje, restando como possibilidade de expansão, apenas o adensamento, a recriação ou, em última instância, o estupro de testemunhos ambientais de como era a vida no tempo das coisas boas.

Mas, o Recife é mais do que um lugar. O Recife é um modo de ser.

De fato, bafejado por brisa amena e cercado pelas terras férteis da Mata, além de lugar de pensar, relaxar e canaviar, o Recife é lugar de grandes paixões e sentimentos extremos, com espaço muito exíguo para os hagás e meio-termos-bem-comportados. Talvez pela intimidade como convive com as águas - tanto as salgadas do mar bravio, como as salobras do delta pachorrento, como, ainda, as doces que chegam do interior ou brotam das profundezas - e [como convive] com aqueles que a ele recorrem em busca de descanso para o corpo, diversão para a alma e mercado para negócios, o Recife produziu uma gente especial, dessas que, dando um boi para evitar confusões e uma boiada para delas não sair, reserva cordialidade para os momentos de doçura e valentia para os momentos de firmeza. Não é sem razão que, por toda a sua vida, déspotas penalizaram Pernambuco por coisas surgidas e impulsionadas desde o Recife ou que, retratando um estar-pronto-para-o-que-der-e-vier, ruas como Harmonia, Amizade e Alegria encontrem contraponto nos becos da Facada, do Cu-de-Boi e do Mata Sete.

Se, no início dos seus tempos, deu abrigo a intrépidos navegantes, guardando-os de ondas capazes de fazer soçobrar embarcações, o Recife também se ofereceu como berço e estufa para movimentos revolucionários próprios do sangue quente da sua gente. Assim, os arrecifes que protegem a cidade vêm sendo testemunhas tanto de chegadas desejadas e permanências queridas, como de partidas abruptas e fugas estabanadas. Aliás, consciente de que o mundo começa bem ali, na barra do cais do porto, enquanto caminha e freva por ruas tatuadas nas terras abraçadas pelo Capibaribe e pelo Beberibe, sentindo o vislumbre morno e carinhoso de Olinda e dos Guararapes, o recifense segue com um brilho misterioso no olhar, a peixeira semi-embainhada e um sorriso hospitaleiro nos lábios.

Disposto a não desperdiçar tempo e viver o mais intensamente possível, fazendo sempre o máximo para alcançar sonhos, conquistar objetivos e materializar causas, o Recife nunca dorme, estando sempre empenhado em projetos, dando função às coisas, construindo empreendimentos, estudando soluções, perturbando, enfim, a tranquilidade dos conservadores. Por isso, a cada dia que passa o Recife se renova, parecendo diferente, embora seja o mesmo.

Assim vem sendo desde a sua fundação.

Assim foi ontem, assim é hoje e assim será por todo o sempre.

Viva o Recife!

* Alexandre Santos é ex-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural