A demência da subserviência à demência

A demência não nos assalta abrupta, como o tigre sobre sua presa. Ela vem devagar, insinuante, como o vírus da pandemia que se espalha invisível, lento e inexorável. E termina por nos contaminar, levando-nos aos hospitais ou aos cemitérios.

A demência não nos sangra, como o tigre ou as revoluções armadas. Ela domina sem que seja percebida; só a percebem aqueles eventuais incólumes que escapam ao contágio e que convivem com o demente. Este, possuído, vê-se como o único são. Todos os demais são dementes, a serem banidos, enclausurados, evitados, eliminados...

Há várias demências, e vários dementes. Quando forçados ao ajuntamento, os dementes estranham-se uns aos outros. Sobrevêm polêmicas, acusações recíprocas, disputas, defecções. O demente acredita na sua demência, todas as demais lhe parecem imperfeitas. Todos estão errados, só ele está certo.

Um tipo especial de demência vem se alastrando em todo o mundo. Primeiro o acometido mostra inconformismo com regras, mesmo aquelas essenciais para o convívio social. Supõe-se que esta rebeldia tenha origem na incapacidade deste demente de interagir e de aprender com a interação. Uma mostra da alienação imposta pela demência. Esta incapacidade de aprender vai acentuando a ignorância e um inconsciente ressentimento, um complexo de inferioridade, de incapacidade. Então manifesta-se outro atributo deste demente: a agressividade. O demente é alguém com soberba suficiente para fazê-lo reagir. Cego para sua ignorância, ele impõe sua demência àqueles que o cercam. Um terceiro atributo deste tipo de demente: ele é arguto, ou suficientemente inescrupuloso, para ser capaz de convencer milhões de que sua demência é a mais exaltada expressão da sanidade. A seu ver incompreendida, rejeitada por muitos.

Além de egocêntricos, os dementes deste tipo de demência são também narcisistas. Comprazem-se com as multidões de aficionados que os reverenciam como novos profetas que vêm salvar o mundo da loucura. Alcançando algum nível de poder e de liderança, alimentam o ódio contra tudo aquilo que ameaça desmascarar a sua debilidade: a ciência, a verdade dos fatos, o discernimento, a sanidade, a solidariedade. Para este demente, existem dois tipos de pessoas: os que estão com ele, e os que estão contra ele. Não há espaço para o diálogo, nem a convivência da diferença. O mundo deste demente é dos dementes como ele. Ou que o veneram. Contra os demais, o racismo, a xenofobia, a homofobia, a misoginia, a odiosa segregação social e ideológica. Até a tortura.

A vida destes dementes passa a ter padrões bem definidos: exaltação aos dementes históricos acometidos pelo mesmo quadro; perseguição àqueles que não compartilham de sua demência; priorização da sua demência em detrimento de quaisquer outros interesses sociais; e o pior, submissão incondicional a outros dementes considerados superiores, sejam eles chefes de estado de países imperialistas ou supostos pensadores alienados da realidade e do mundo.

Esta demência diz acreditar em Deus acima de tudo. Acima deste demente só restariam então Deus e outros dementes ainda mais dementes. Valha-nos Deus.