A utilidade do tempo
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A utilidade do tempo
Nos anos 80, no Brasil e no mundo, surgiram inúmeras bandas de Rock que fizeram a cabeça de toda uma geração. Aos mais jovens, nascidos depois, noutras décadas, deixo o exercício da curiosidade e da pesquisa musical. Aos quase cinquentões, sugiro o exercício da nostalgia.
O que esperamos do mundo e de nós mesmos é que a pujança irresponsável das primeiras idades seja substituída pela languidez e temperança da maturidade – parece óbvio demais que planeta e homens adoecemos? Se parece, mais evidente ainda é o óbvio ululante de Nelson Gonçalves que se torna mais necessário a cada dia. Afinal, assusta sobremodo a quantidade de pessoas, letradas ou não, que parecem não entender o que veem, leem, escutam ou sentem – a sensação que nos invade é a de que os sentidos estão nos enganando, passando pseudorrealidades que esperamos serem apenas erros de percepção e não a maldade abjeta da dissimulação humana.
O tempo me tirou um pouco da celeridade dos movimentos, mas sinto, claramente, que mudei. Não sou mais o mesmo homem nem me banho nas mesmas fontes do mesmo rio. Entretanto, hoje, ao fuçar as redes sociais, tive a impressão de que não é assim para todos nós. Ao percorrer, com um dos dedos, postagens de um aplicativo, deparei-me com um amigo de infância cantarolando um “Rock and Roll” que foi sucesso na época em que éramos quase adolescentes. O que há demais nisso, afinal? O problema é que ele faz isso há quatro décadas, praticamente! Não por profissão. Por paixão, certamente! Se é por paixão, que mal há nisso? Verdade, que mal há nisso... Deve ser normal e útil repetir em bares, noite após noite, por longos quarenta anos, as mesmas músicas, receber os mesmos aplausos, das mesmas pessoas, do mesmo bairro, regurgitando as mesmas emoções. Talvez o problema esteja na pequenez do meu olhar curioso que deixa para traz as experiências vividas e busca, hoje moderadamente, experimentar e aprender sem tanta paixão. Talvez eu precise me revestir mais do passado, sofrer menos com o presente e entender, finalmente, que não há futuro eterno em corpos finitos, pois a vida é, na verdade, breve sucessão de inspirações, respirações, frustrações, alegrias e morte.
O mais impactante de toda essa divagação, entretanto, foi receber alguns exames de rotina hoje pela manhã e perceber, baseado nos resultados obtidos, que minhas “engrenagens” já não são mais as mesmas da década de oitenta e, acima de tudo, ter sido nocauteado por um singelo comentário da minha filha:
– Pai, mostrei os exames do senhor a um professor meu, que é geriatra, e ele pediu para o senhor procurar um neuro.
Em 1980 minha mãe me levara ao pediatra; em 2020, o tempo me apresentou ao geriatra. Triste realidade!
Liguei o som do celular, com o espanto juvenil adormecido da descoberta, e fui curtir a música que meu amigo cantarolava, antes que o espetáculo da vida se acabe.
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Publicado no Jornal a Praça, em 07/03/2020.
Iguatu-CE