O Coletivo suplanta o Indivíduo
Está em voga construir artificialmente e expor a personalidade como se fora um objeto sui generis digno de ser admirado, se possível invejado por sua suposta genuinidade. Ao menos, parece que essa é uma das leituras possíveis nos tempos atuais. E como há mentes fazendo disso sua missão de vida, como se ser apenas mais um dentre os bilhões de seres representasse o fundo do poço da miséria humana!
Na ilusão de uma representação da sonhada autenticidade, muitas vidas estão se perdendo literalmente em selfies fatais. As redes sociais certamente não inventaram nem o fanatismo, nem o culto ao Self, mas certamente têm sido campo fértil para a eclosão do fenômeno.
A ironia é que, individualmente de fato somos únicos. Porém, uma verdade tão simples não traz em si o poder de ser aceita por essa massa. É necessário empoderar-se, sobrepondo-se aos demais, perder-se no devaneio inebriante, embora brevíssimo, como um viciado entre suas doses. Os guerreiros são modernos, mas os moinhos de vento continuam sendo os velhos moinhos. Alucinações nas quais viver é vencer ou vencer, ainda que apenas em ambientes virtuais.
Fugindo à mediocridade, milhões tecem a coletividade que gera a guerra de egos entre iguais.
Portanto, o difícil não está em ser diferente, mas em ser você mesmo. Emergir das camadas de padrões artificiais criadas para sufocar as particularidades do indivíduo (como se fossem aberrações sociais) e não a riqueza que de fato são compondo cada ser, não é tarefa fácil.
O sofrimento existencial oprime cada vez mais, ano após ano, ou haverá um prazer genuíno em submeter o corpo à privações e deformações entre outros ou ainda, este fenômeno poderia, em algum grau naturalmente ser creditado à evolução da espécie? Parece improvável...
Enfim, a coletividade sobrepõe-se ao indivíduo na corrida, mesmo oferecendo larga margem de vantagem. Se todos fazem equivocadamente as mesmas coisas, querendo desesperadamente ser diferentes, então deve existir uma força invisível tecendo a teia que aprisiona os incautos numa "nova" coletividade e assim sucessivamente, sem que se deem conta disso.
Adentrando o terreno dos "mistérios insondáveis", é de se perguntar a quem ou a quais entidades interessa manipular a humanidade de forma que a massa se organize em torno, ora de um determinado padrão de beleza, ideologia política, interesse sexual, consumo, comportamento, etc, ora de outro.
Levados como gados ao matadouro, só que estes aparentemente sentem quando caminham para a morte, enquanto o gado humano vangloria-se do sucesso efêmero, por exemplo, de uma foto postada a custo de sacrifícios que, amontoando-se levam à temida Depressão.
Todos sabemos que para viver com certo conforto, segurança e dignidade, ter uma fonte de renda, um teto sobre a cabeça, um prato de comida a cada refeição e divertir-se com parceiros, amigos ou parentes já seria suficiente. Se queremos um pouco mais, tudo bem. Seria aquele extra, um algo mais, um plus...
A questão é que queremos muito mais! É uma fome insaciável que obriga o ego a continuar adquirindo poderes, a ser o maior, o melhor.
Não se restringe a qualquer classe social, mas atinge tanto as elites quanto os menos favorecidos. Bandidos de alto calibre, leia-se, corruptos, ou traficantes nas favelas, pessoas de conduta ilibada ou reprovável socialmente, todos em algum grau tendem à convergir para um mesmo centro onde atualmente, a moda impele à ostentação.
A ostentação se dá nas mais variadas formas e graus, seja a do próprio físico em forma, obeso, anoréxico, tatuado ou em pretensos vazamentos de relações afetivas/sexuais homo, hétero, poli, enfim, o céu (ou o inferno) é o limite a ser continuamente desafiado.
Tentando fugir à coletividade, indivíduos criam a temida homogeneização de comportamentos que podem ser nocivos ao próprio bem-estar. A força do meio, embora invisível, tem poder bastante para manipular por toda vida ou, até nos darmos conta e dizermos; basta!
Mesmo assim, sem uma vigilância constante qualquer Mídia, visto que o potencial manipulador da Internet é monstruoso, tentará nos arrastar para a massa em voga.
Sem a pretensão de sugerir uma medida ideal ou taxar comportamentos como certo ou errado, talvez fosse apropriado num determinado momento perguntar-se; estarei exagerando, isso realmente vale a pena, me faz verdadeiramente feliz, penso assim ou este pensamento está contaminado pelo meio, é ideia minha ou estou sendo influenciado, não serei vítima de manipulação? Por menor que seja, a reflexão acende a luz que afugenta as trevas.
Nosso ego exige massagens constantes, mas certamente até um grande ego sabe separar o que é desejável do que é prejudicial.
Quem dera elaborando o cenário social, que visivelmente tem elevado os dramas psicológicos, achar respostas e saídas para se evitar um caos, visto que aos poucos os limites entre o lícito e o ilícito na humanidade estão sendo diluídos. Mesmo que os costumes se transformem grandemente, sem a evolução das mentes e das consciências no mesmo sentido o resultado pode ser um maior sofrimento físico, emocional ou social, vide, por exemplo, aumento de feminicídios, suicídios, etc.