Não podemos mais aceitar velhas desculpas
Não podemos mais aceitar velhas desculpas
Chegou um momento em que temos de entender que não dá mais para aceitarmos velhos padrões que não passam de construções sociais que precisam ser revistos, ou isso condenará não apenas os filhos desta geração como os das próximas a se tornar seres ansiosos e infelizes, com mentes doentias por terem sido obrigados a corresponder a padrões comportamentais ilógicos. Baseando-nos neste argumento, vamos analisar uma situação comum em muitos lares: filhos que se sentem pressionados enquanto os irmãos são deixados à vontade. É frequente que os pais tratem os filhos de forma diferenciada (consciente ou inconscientemente) e sejam severos demais para com um filho ou filha, mas deixem os outros mais livres.
Se este filho ou filha se queixa com alguém que os pais “pegam no seu pé” , uma desculpa muito comum é: “É porque seus pais botaram muitas perspectivas em relação a você. Eles esperam muito de você. Procure entender o lado deles.” Será que dá para se continuar aceitando esse tipo de desculpa que, no fundo, é apenas “botar panos quentes”? Se o filho ou filha tem que ver o lado dos pais, é evidente que eles não estão vendo o lado de uma pessoa que se vê constantemente pressionada, sentindo que tem de viver para ser o que os pais esperam dela. Isso parece justo? Reflitamos. E, se o filho alvo das cobranças não colocar um limite, aceitando que os pais agem assim porque esperam muito mais dele do que dos outros, existe o perigo de que ele deixe de viver sua vida e passe a viver apenas conforme o que esperam que seja. Os pais também deveriam entender que todo ser humano tem de viver suas perspectivas e que fazer apenas o que os outros esperam de nós pode nos fazer sentir que não passamos de uns farsantes e que não estamos vivendo de verdade nossas vidas, apenas sendo pobre marionetes manipuladas pelos outros.
Essa história de entender que os pais esperam mais de um filho acaba sendo uma desculpa para justificar condutas abusivas por parte de pais que, com frequência, usando o argumento de que só querem o melhor para os filhos, manipulam, fazem chantagem emocional, pressionam, obrigam os filhos a ser algo que eles não são e até se acham no direito de decidir que profissão eles devem seguir. Isso só gerará seres humanos infelizes que viverão frustrados. Um bom exemplo é o de uma moça, filha mais velha de uma família. Os pais viviam em cima dela, chegando ao ponto de, na hora do dever de casa, ficar ditando as respostas que achavam que ela devia dar, mandando até que fizesse os exercícios que os professores não haviam mandado fazer. Muitas vezes, essa moça foi repreendida pelos professores por ter feito as tarefas escolares de uma forma diferente da que eles haviam mandado fazer, pois ela não podia dizer que os pais a haviam obrigado a isso.
Além dos pais se intrometerem nas suas tarefas, eles eram totalmente paranoicos em relação a ela, dizendo que ela não devia namorar, mas apenas estudar. Apenas ela tinha obrigação de ajudar nas tarefas domésticas. A mãe ainda falava que era melhor não namorar nem casar porque nenhum homem prestava, abria suas mochilas para vasculhar seus objetos (mesmo quando ela já era adulta) e, por muito tempo, forçou-a a usar um corte de cabelo curtíssimo, que a filha detestava, ainda que a moça dissesse que isso a estava fazendo sofrer zombarias dos colegas. Qualquer um dizia que ela tinha pais superprotetores, que a tratavam assim por “excesso de amor” quando ela se queixava que os pais a tratavam como uma criança idiota que se perderia apenas atravessando a rua. Em compensação, seus irmãos tinham toda a liberdade, fazendo o que bem entendiam. Ela nunca vira os pais em cima dos irmãos na hora dos deveres de casa. Se ela reclamasse, logo ouvia que tinha que entender que os pais haviam criado muitas expectativas em relação a ela.
O que alguém pensa ao ver este breve relato? Não irá concordar que esses pais limitaram a vida dessa moça, privando-a de ter uma vida normal e de ser livre? Tentar justifica-los é impossível. Pensemos como fica a mente de uma pessoa que sente que todas as cobranças são apenas para ela ao passo que os outros são livres e podem fazer tudo? A pessoa sujeita a esse tipo de tratamento fica infeliz, pergunta-se por que os pais a tratam assim, como se ela fosse menos capaz, tivesse menos direitos e apenas deveres e ainda por cima vive com medo de errar, sabendo que o menor erro a sujeitará a críticas negativas.
Ser rigoroso demais com apenas um dos filhos é uma atitude discriminatória, que leva a mágoas e ressentimentos, além de levar esse filho a pensar que nunca será bom o suficiente para merecer a aprovação dos pais. Temos de dizer isso porque os pais são as primeiras pessoas com quem os filhos formam relações e as primeiras noções que os filhos têm de si mesmos vêm dos pais. Se os pais dão o tempo todo a entender que os filhos são burros, incapazes e não fazem nada direito, eles tenderão a acreditar e demorarão muito a se libertar desses conceitos tóxicos que poderão criar algemas mentais capazes de limitar suas vidas, pois quem se acha inútil muitas vezes vive bem abaixo do seu nível, não tentando empregos melhores nem se arriscando em nada por achar que não está à altura de tal desafio.
Devemos entender que é impossível alguém agradar aos outros o tempo todo. Somos humanos, cometemos erros e temos defeitos. Além disso, façamo-nos uma pergunta: “Por que temos de viver para ser o que os outros querem que sejamos? “ Os pais não são Deus para se achar no direito de decidir o destino dos filhos. Se queremos ter bons exemplos de como se intrometer na vida dos filhos só resulta em desastre, lembremos de dois bons casos da ficção: a novela Por amor, em que Helena trocou seu filho pelo filho morto da filha Eduarda e a novela Páginas da vida em que a Ana de Deborah Evelyn forçava a filha Giselle a fazer balé, vigiando até o que a filha comia. Quem assistiu a essas novelas sabe muito bem o que as boas intenções dessas duas mães fizeram.