Conflitos na República Romana Tardia
Com as rápidas mudanças sociais que ocorreram a partir da segunda guerra púnica, tornaram-se claras as contradições que haviam na estrutura social e a debilidade do sistema republicano romano. Por isso, os últimos cem anos da República romana foram permeados de conflitos internos, pelo que é chamado de “período da Revolução”, uma crise política e social.
Em linhas gerais, os conflitos dessa época podem ser agrupados em quatro tipos. São esses as guerras servis, a resistência de províncias contra a dominação romana, a guerra dos itálicos contra Roma e, o mais importante, os conflitos de interesse entre os próprios cidadãos romanos.
Quanto ao primeiro tipo, os conflitos dos escravos contra seus donos nos últimos anos da República romana se destacam porque em nenhum outro momento da História Antiga uma oposição de servos e senhores se expressou com tanta violência. Parte da explicação disso vem da grande dependência da sociedade romana da mão de obra escrava e do grande número de servos que eles tinham à sua disposição. Além disso, na cultura romana, os escravos eram muitas vezes terrivelmente maltratados, em especial nas fazendas.
A primeira revolução servil ocorreu na Sicília entre 135-132 a.C. Rapidamente, os rebeldes tomaram a cidade de Enna e proclamaram como seu rei ao adivinho e taumaturgo Euno. Depois disso outros grupos de rebeldes se juntaram aos seguidores de Euno até chegar ao número aproximado de 200 mil homens. Eles foram derrotados ao fim de uma sangrenta guerra.
Menos de três décadas depois disso começaram distúrbios entre os escravos da Itália, Cápua e outros lugares. Pouco depois, entre 104-101 a.C., houve uma segunda grande revolta de escravos na Sicília. Em parte, isso foi motivado por uma situação que revelou muito da postura dos senhores romanos para com seus servos: devido à crítica situação da política externa de Roma, o Senado tomou a decisão de libertar todos os escravos procedentes de estados aliados; mas os senhores da Sicília sabotaram esse decreto. Consequentemente, uma vez mais se incendiou uma guerra servil nessa ilha. A insurreição de escravos mais perigosa, entretanto, foi a terceira, nascida na Itália em torno do gladiador Espártaco entre 74 e 71 a.C., que mobilizou cerca de cento e vinte mil escravos à sua causa.
Esses três movimentos tiveram características diferentes, mas também tinham muito em comum. Eles partiram de pequenos grupos de escravos isolados que, por terem armas, eram difíceis de controlar. Aos poucos, milhares de servos se uniram aos rebeldes, criando um movimento de massas. Mas, ainda que tivessem êxito, tais conflitos não mudariam o funcionamento da estrutura social romana; não eram revolucionários no sentido de tentar criar uma nova ordem social. Ao contrário, eles queriam basicamente formar um Estado escravista próprio, ou simplesmente escapar da situação de servidão em que estavam, sem abolir a própria instituição da escravidão. Entretanto, podemos dizer que essas guerras tiveram algum êxito em melhorar um pouco a situação dos escravos, o que pode ser comprovado pelo fato de que os últimos quarenta anos da República romana não viram nenhuma insurreição servil.
Outras revoltas nesse período também não conseguiram alcançar grande resultado, pelo mesmo motivo: não visavam alterar a estrutura social da República romana, mas se livrar de um domínio político. Ao contrário, a revolta de províncias contribuiu para um progressivo acirramento da violência contra elas.
Nesse contexto, houve um conflito especialmente perigoso: a resistência dos itálicos, pois estes se sentiam maltratados e injustiçados pelos representantes do Estado Romano. Essa tensão cresceu até o ponto de transformar quase toda a Itália em um grande campo de batalha. Algumas colônias romanas foram conquistadas e pessoas de alta posição nelas foram mortas, a República venceu mais uma vez. Esse também não foi um movimento de subversão da ordem social, mas a principal intenção dos itálicos era obter a cidadania romana, com todos os seus privilégios. A grande mudança que ocorreu a partir desse conflito foi que, mais tarde, uma vez que a população da Itália setentrional recebeu o direito da cidadania romana, uma região geográfica mais ampla que a cidade de Roma passou a se considerar de fato parte do Imperium Romanum.
Os conflitos mais importantes nesse período foram entre grupos políticos dentro do próprio mundo romano. A escalada da violência começou com o assassinato de Tibério Graco, e culminou em abertas guerras civis, que só terminaram com a instauração da monarquia.
O primeiro conflito aberto ocorreu em 133 a.C. Antes disso, houveram debates em relação à questão agrária, inclusive uma proposta de lei que limitava o tamanho máximo de terras públicas de que alguém poderia dispor, sendo que o que passasse desse limite deveria ser repartido entre agricultores pobres, mas ainda pertenceriam ao Estado Romano, para que não fossem mais tarde adquiridas pelos grandes proprietários. Começou uma reforma agrária em Roma, que até beneficiou alguns camponeses, mas enfrentou forte resistência dos ricos, que incluiu tumultos e assassinatos.
Com o decorrer dos anos, os líderes das reformas agrárias passaram uma lei, com o objetivo de se proteger, que proibia que qualquer cidadão romano fosse condenado à morte senão pelo povo. No final das contas, embora tenha obtido um pequeno êxito, essas tentativas de reformas se mostraram insuficientes, à medida que não puderam atender plenamente as necessidades da parcela mais pobre da população.
Outra reforma que provocou tensão nesse período foi a do exército, uma vez que ele passou a recrutar não apenas os proprietários, mas também os mais miseráveis em suas fileiras. Um dos problemas disso é que as classes mais baixas passaram a receber também acesso a armas e treinamento militar, tornando os conflitos ainda mais violentos, envolvendo o enfrentamento de exércitos regulares.
Um dos mais importantes líderes da aristocracia nesse período foi Sila, general que se tornou um ditador defensor dos interesses dos senadores. Após sua morte, o regime de Sila ainda durou uma década, até que uma reforma judicial anulou muito da supremacia conquistada pelo senado. Nos anos seguintes acenderam dois líderes políticos que encabeçaram a guerra civil a partir de 49 a.C.: Pompeu (conservador) e Júlio César (progressista). A vitória de Júlio não apenas representou a continuação de reformas como a própria vitória da Monarquia sobre a República romana.
Cabe mencionar que nem sempre esses conflitos eram claramente marcados por uma disputa de classes. Haviam senadores ricos defendendo os pobres, e cidadãos mais simples com uma estreita dependência da aristocracia que, por isso, ficaram do lado da oligarquia.
FONTE: ALFÖLDY, Geza. Historia Social de Roma. Tradução para o espanhol de Victor Troncoso.