A desvalorização do trabalho doméstico
Em muitos lares brasileiros, é comum que as mulheres, principalmente as que não trabalham fora, sintam-se sobrecarregadas com trabalho doméstico e insatisfeitas com suas vidas, porque o serviço doméstico é extremamente cansativo e podemos ter a impressão de que toda nossa vida é dedicada a varrer, limpar, cozinhar e cuidar de inúmeros detalhes que nos fazem pensar que não fizemos nem um milésimo do que era necessário. Aliás, tal impressão não é errônea. Por mais que você faça em uma casa, nunca terá feito tudo que é necessário. E acabamos por pensar que não nos levará a nada, já que sempre haverá roupas para lavar, sujeira para ser varrida e comida a ser feita.
Um outro problema que devemos mencionar é que geralmente ninguém ajuda. Se antes as filhas ajudavam, hoje nem elas o fazem. É cada vez mais comum vermos moças que não sabem fazer nada além de esquentar comida no micro-ondas ou jovens que, quando estão com fome, vão preparar um macarrão instantâneo, um sanduíche ou então abrir um pacote de bolachas até para não ter o trabalho de descascar uma laranja. Muitos pais se queixam dos filhos adolescentes(ou mesmo adultos) que não dobram suas roupas ou arrumam as camas.
Vale acrescentar que muitas mulheres, ainda que trabalhem fora, também acabam ficando sobrecarregadas com os encargos de cuidar da casa. Quando elas e seus maridos voltam para casa das suas rotinas profissionais, enquanto seus maridos vão relaxar, elas ainda vão varrer e preparar as refeições. Embora tenhamos de admitir que tem crescido o número de homens que auxiliam nas tarefas domésticas, ainda há vários que não se sentem na obrigação de tirar a mesa após o jantar.
Com certeza, isso é fruto da nossa herança machista, que vê o trabalho doméstico como responsabilidade natural e exclusiva da mulher. Podemos também admitir que é um resquício do nosso passado escravocrata. Antes, nas casas dos senhores de escravos, o serviço doméstico era feito pelas mucamas. Com o fim da escravidão, muitas mulheres pobres de origem negra, devido à falta de oportunidades e por não terem suficiente instrução e precisarem de trabalho, tinham como única alternativa trabalhar nas casas dos outros. E, como serviço doméstico era visto como um trabalho inferior, pois nossa cultura desvaloriza o trabalho braçal, mesmo pessoas de classe média queriam empregadas, o que foi muito observado por estrangeiros que vieram viver no Brasil, já que em países como Estados Unidos, Alemanha e outros, não é comum a presença de profissionais dedicados a cuidar de uma casa. Uma fotógrafa americana que fotografou as empregadas brasileiras comentou que no país dela isso acontecia só nas casas de milionários.
O serviço doméstico é importante, afinal, todos precisam comer e é necessário que se mantenha uma casa limpa e se lavem roupas até por questões higiênicas. Entretanto, nossa mentalidade ainda vê tais serviços como se fossem de “gente inferior”. Muitos acham estranho ver pessoas que varrem suas próprias calçadas, como se varrer uma casa ou lavar um banheiro tornasse alguém inferior. Porém, esta é uma forma errada de pensar. Há muito tempo que lugar de mulher deixou de ser em casa e, devido às mudanças econômicas que temos atravessado, tem diminuído o número de trabalhadores domésticos. Precisamos nos adaptar e admitir que uma casa é responsabilidade de todos os que nela vivem. Não dá mais para que, enquanto uma pessoa fique exausta por cuidar de uma casa, outros a usem como se fosse um hotel, apenas para comer ou dormir.
Façamo-nos uma pergunta: soa justo que uma pessoa – geralmente a mulher – se estresse tentando manter uma casa limpa e arrumada e outros fiquem no sofá ou deitados, como se não tivessem nenhuma obrigação? Claro que não. A pessoa que vive assim acaba frustrada e até infeliz porque não lhe sobra quase nenhum tempo. É como se ela não tivesse direito, apenas obrigações, ao passo que os demais que ocupam a casa fossem reis que devessem ser sempre servidos. Observemos como são as colmeias. Nelas, todas as abelhas trabalham. Deveria ser assim em todos os lares.
É preciso que extirpemos os restos da cultura machista, que vê o trabalho de casa como apenas da mulher ou coisa de gente inferior e também que os pais, desde o início, dividam os trabalhos da casa entre os filhos. Um pode muito bem lavar os pratos, outro botar o lixo para fora e outro tirar a mesa. Dessa forma, as pessoas vão adquirindo noções de responsabilidade e cooperação. Isso é algo que podemos aprender vendo o Japão. Lá, as escolas não têm faxineiros porque os alunos limpam as salas de aula e os banheiros e em várias escolas que servem as refeições, são os alunos que fazem esses serviços, porque nesse país há a cultura de se trabalhar em prol de todos. É assim que deve ser em todos os lugares.