Vidas minúsculas, corações gigantes
 

Na cantilena das notícias que saciam nossa sede diária de informações efêmeras e inúteis, vez por outra nos deparamos com algumas pérolas. Pérolas catadas por jornalistas inspirados que mergulham no Brasil profundo e contam uma história comovente de gente humilde e pobre e sofrida.
Como a publicada no UOL no dia 28/12/2019, assinada por Carlos Madeiro com o título "Idoso deixa o trabalho para viver com amigo com câncer terminal". Uma história como muitas outras, adverte o autor. Muitíssimas outras.
Em resumo, Severino,63, de vida severina nascido em Recife, operário da construção civil em Brasília e morador de rua há pouco tempo em Maceió convivia com o amigo Hipólito,62, o da tragédia brasileira, não grega. Hipólito foi surpreendido por um câncer terminal e levado para o Albergue Municipal. Severino vive com 88 reais do bolsa família e vende picolé nas ruas de Maceió. Nos últimos dois meses economizou 1500 reais com o comércio. Sabendo da doença de Hipólito, abandonou o trabalho para morar e viver em tempo integral no albergue para cuidar do amigo. Com o dinheiro do picolé "a gente consegue comprar remédio e as coisas que ele precisa", disse ao jornalista. Hipólito, "uma pessoa muito boa que nos deixou um legado", doou o corpo "para ser usado para estudos na universidade". A última ação de generosidade de Hipólito, seu corpo.
Não precisa falar mais nada. O gesto além das palavras mais nobres.
Em histórias como estas a desigualdade deixa de ser um número, uma porcentagem absurda que afinal naturalizamos, para se tornar o que é: drama humano. Milhões de dramas humanos nas camadas invisíveis da sociedade, onde habita a vida nua, descartável, corpos deixados para morrer, zoé.