A Cor do Brasil
Preconceitos e discriminações são produzidos social e historicamente e perpassam os diferentes âmbitos da vida coletiva.
Ninguém no Brasil se entende por racista, embora todos sejam cheios de preconceitos e, consequentemente, racistas em certo nível. Guimarães (2004, p. 20), referindo-se aos estudos realizados no Brasil nos anos 1950-1970 sobre a lenda da ‘democracia racial[1]’ que supostamente existia no Brasil, recorda-nos do que realmente existe no Brasil:
[…] o preconceito de cor, entre nós, seria um sintoma da incompletude da revolução burguesa e da sociedade de classes. Seria uma persistência do passado enquanto “negros” e “mulatos” seriam apenas “metamorfoses do escravo” (grifos nossos).
As populações afrodescendentes são exterminadas, os esfarrapados do mundo, esquecidos e ignorados porque não são considerados dignos de vida. Como recorda Mbembe (2011, p. 33) têm-se a mesma disposição de “atuar de forma cruel e imoderada [criando] o espetáculo de sofrimentos infligidos ao corpo do escravo”. Os afrodescendentes, a constante “metamorfose do escravo” dos processos inacabados da sociedade brasileira, sempre receberá o tratamento cruel do espancamento, estupro, morte e abandono, seja este literal, social, simbólico ou emocional. O banzo (depressão) não é o mal do século XXI, é fruto da ideologia da cor.
E o que dizer das expressões??
- Prende esse cabelo!
- Coloca um prendedor para o nariz afinar
- Você é a babá?
- Pelo outro elevador.
- Está comendo a moreninha?
- Mão na cabeça, moleque!
- Preto favelado.
- Deixa eu tocar no seu cabelo?
- Como faz para lavar?
- Racismo é mimimi
- Morena da cor do pecado
- Deve ser quente na cama né?
- Cheiro forte
- Cabelo melecado de creme
- Na universidade?
- Cota é para preguiçoso
- Preta não é para casar
- Abre a bolsa!
- Você tem mestrado?
- Racismo é mimimi
- Por que vc não alisar seu cabelo?
- Vamos baixar esse volume.
- Liso vai te deixar mais delicada!
- Quem quer subir na vida, acorda cedo.
- Preta e mãe solteira. Puta.
- Com esse corpo podia ganhar dinheiro
- É metida! Só por que ocupa um cargo...
- Preto arrumado metido
- Mexe essas cadeiras!
- Rebola até o chão no samba, né?
- Racismo é mimimi
- Negra linda
- Negro lindo
- Porque vocês usam esse turbante? Alguma ocasião temática?
- Macumbeira!
- Segurança!!!
- Raspa esse cabelo
- Miss Banana
- Macaco!
- Macaca!
- É só nome de bicho!
- Tenho até um amigo preto
- Sou casado com uma preta
- Racismo é mimimi
Estou na metade do caminho...
Já estou morta! Os tiros de todo dia...
Não consigo chegar nos oitenta. Agonizando:
Racismo é mimimi. Racismo é mimimi...
80 vezes. Racismo é mimimi.
Assim se naturaliza a execução de corpos pretos: com 80 tiros!
[1] Alguns atribuem tal mito a Gilberto Freyre, escritor de Casa Grande & Senzala, contudo, não há em sua obra afirmação explícita sobre este tema. É mais provável que o uso político de sua obra, escrita em um momento em que se desejava ‘vender’ esta ideia do Brasil ao mundo, tenha originado tal conceito, não Freyre.